Desabafo de uma qawwi

# 4| O Apocalipse dos Corais

(4 mins de leitura)

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Após mergulhar na faixa com milhares de recifes e de ilhas continentais, permito-me uma pausa para que o cérebro absorva com clareza as cores do fundo do mar, luzentes como uma aurora boreal. Os corais vivem em colônias e fazem barreiras que sustentam o lar de diversos seres vivos. Será que os humanos compreendem a importância e a magnitude dos amiguinhos que habitam nestas águas? Sem pressa, percorro as avenidas e autoestradas marinhas, esbarrando com tartarugas e golfinhos, peixes e serpentes marinhas. Carlota baleia, incontestável rainha das águas, desliza na sua majestosa grandeza em busca de comida, enquanto dugongos acasalam pelos cantos recônditos do mar. Então, inesperadamente, caio num abismo. A maré torna-se escura, domada por gemidos. Criaturas moribundas, esbranquiçadas, soltam graves queixumes, numa lenta agonia. Baby-coral é um desses seres. Tão pequeno, está gravemente doente e os seus gritos não passam de apelos de socorro que se perdem nos ecos das ondas espirais do oceano. Ao lado de Baby-coral, jazem centenas de corais que sucumbiram à violência do calor.

– Nem sempre foi assim! – confessa Baby-coral tristonho, órfão de pai e mãe. Aos prantos, mostra-me através de um registo gravado no seu DNA, uma memória dos tempos em que vivia em ambiente de festa, quando eram todos saudáveis, antes da tragédia abater-se em suas vidas.

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Fonte: https://airis.life/bleaching-threats-to-the-great-barrier-reef/

Baby-coral era ainda pequeno quando a sua família e quase toda a geração foi saqueada durante uma captura ilegal. Os que restavam, se não estavam a morrer, rogavam aos deuses dos oceanos, por um milagre que os salvasse do apocalipse que descera sobre os recifes. É que nos últimos dois anos, metade dos corais haviam passado pelo processo de branqueamento (perda de pigmentos e de algas associados aos tecidos) e hoje, só sobravam pálidas sombras do que eles tinham sido um dia.

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Fonte: https://airis.life/bleaching-threats-to-the-great-barrier-reef/

Baby-coral e outros corais vivem em permanente pesadelo. Graças a queima de combustíveis fosseis e de outras coisas pouco sensatas, vieram as alterações climáticas que acabaram conduzindo ao aquecimento das águas e por fim, a catástrofe que agora dizima em massa os corais.

– Pobre Baby-coral. A minha alma se compadece. Que posso fazer por vocês?

Tem de haver alguma forma de reverter a situação. Sou recém-chegado ao planeta terra, mas ouvi dizer que alguns líderes comprometeram-se a reduzir as emissões de CO2, pese embora alguns presidentes como Ronald Trunfão, contra a lógica razoável, não querem este acordo.

E se eu pedisse aos meus superiores para intervirem? Não, não poderia, tal seria contra os princípios do meu planeta.

Baby-coral engole as lágrimas e tenta tranquilizar-me:

– Espere senhor, há outros humanos como você, que querem ajudar. Temos recebido visitas de pesquisadores, rumores correm de que estão a preparar e a testar laboratórios que poderão nos socorrer – é a primeira vez que noto alguma esperança na voz de Baby-coral – e se as temperaturas baixarem, quem sabe? Talvez haja um futuro para nós. Vá meu amigo, fale com os outros, interceda por nós! É possível encontrar um equilíbrio!

Anuo e deixo-o com uma promessa silenciosa, antes de começar a nadar de regresso à Terra. Sim, há uma chance de eles sobreviverem, se todos os humanos, biólogos, cientistas, líderes, organizações e pessoas individuais, fizerem a sua parte para amenizar os efeitos das alterações climáticas. Nado com a urgência da questão bailando nas falsas barbatanas dos meus pés.

Linan, a qawwi

Nota sobre este texto:

A Grande Barreira de Coral da Austrália, património mundial da UNESCO, sofreu um “colapso catastrófico” de corais durante uma vaga de calor em 2016, “uma ameaça à diversidade da vida marinha. Um terço dos corais de superfície da Grande Barreira morreu devido ao aumento das temperaturas. A Grande Barreira de Coral é o maior complexo de recifes de coral do mundo. Os recifes de coral representam menos de 1% do ambiente marinho da Terra, mas abrigam cerca de 2% da vida marinha. Se não se limitar a subida de temperatura estabelecido no Acordo de Paris “a Grande Barreira de Coral corre mesmo o risco de desaparecer” – In Diário de Notícias, 19 de Abril de 2018.

O que você acha sobre o tema? Deixe um comentário 🙂

 

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