Outras maravilhas humanas

PEDRO PEREIRA LOPES: UM ARTESÃO DAS PALAVRAS NA PROSA CONTEMPORÂNEA

Maiane Pires Tigre[1]

1. Maiane Tigre – Para além de uma produção literária destinada ao público infanto-juvenil, você também é estudado por possuir publicações dirigidas para o público adulto. Dono de uma escrita versátil, abrangendo a poesia, o conto, e, por fim, incluindo-se o romance, consideramo-lo um escritor multifacetado, primeiro porque é capaz de investir na hibridez dos gêneros, além disso, possui uma rica capacidade de inovar ao aderir às mais atuais tendências da prosa contemporânea. Comente tais inovações na linguagem, verificadas, por exemplo, nas obras Mundo Grave (2018) e A invenção do cemitério (2019), afinal predomina o completo abandono das regras gramaticais, no tocante ao registro de nomes próprios com letras minúsculas, no início dos títulos, dos parágrafos, e após o uso do ponto de continuação. Haveria, pois, uma estratégia estilística adotada à la Oswald de Andrade, resultante de um diálogo intertextual, na tentativa de reafirmar o seu ultramodernismo?

Pedro Pereira Lopes As primeiras versões de “mundo grave” e “a invenção do cemitério” obedeciam ao convencionalismo tradicional, isto é, à gramática da língua portuguesa como a estudei, como a assimilei. Acontece que durante a minha estadia em Pequim, onde estudava, eu redescobri parte da minha africanidade, o meu lugar num mundo fora de Moçambique, fora da África, onde eu era “o outro”. Esta tentativa de aproximação com a África fora de mim me fez partir em busca de uma ancestralidade que, por inocência, eu acreditava que a detinha, como algo que se pode possuir. É a coisa de Saramago de sair da ilha para conhecer a ilha.

Eu gosto de crer que, em termos de técnicas empregues na série (que chamei de “trilogia absurda das minúsculas” – envolve, ainda, o livro de poesia “mundo blue”), a base foi este “disruptivo” e grosseiro “regresso às origens”, à origem da literatura africana, à oratura. Então, o processo de narração funcionaria em um esquema instintivo, quase um fluxo de consciência, onde o narrador chega a duvidar de si e comete erros durante o processo de contação (acontece em “mundo grave”), ao mesmo tempo em que a linguagem se transforma em um instrumento abstracto e subjectivo dentro do livro, no papel, sem obedecer às normas da gramática. Assim, a mancha gráfica, os elementos da pontuação e a maiusculização, por exemplo, obedeceriam a uma espécie de democracia ou liberdade natural da narratividade, em que se estabelece a oratura. À volta da fogueira, não temos como distinguir um Pedro capitalizado de um “pedro” em caixa baixa. Do mesmo modo que não a história pode ter múltiplos narradores, ser interrompida, ser comentada ou não usar o formato tradicional de contação.

            De qualquer das formas, eu não inventei a roda, fui o primeiro em Moçambique a escrever três livros em caixa baixa, claro. Mas tens o Suleiman Cassamo, por exemplo, que domestica a língua portuguesa em “O regresso do morto”. Há o Saramago, o Valter Hugo Mãe e o Rui Nogar, cujo único livro em vida, “Silêncio escancarado”, é feito de minúsculas. E em nada isso anula a sua poesia única.

2. Maiane Tigre – Por que você decidiu seguir a proposta de ruptura no gênero, ao adotar o romance policial como forma estética sobressalente no tecido narrativo da obra mundo grave (2018), e o gênero microcontos em O livro do homem líquido? (2021). Quais são as suas fontes/influências, nacionais e estrangeiras?

Pedro Pereira Lopes Eu nunca me considerei prosador ou poeta. Questiono até essa coisa de “escritor”. Eu vivo em uma relação com as palavras, com a língua, com o exercício literário. Hoje, considerando a moda dos conceitos, eu diria que vivo numa “relação tóxica” com a coisa de escrever. Eu gosto de escrever. É uma relação sadomasoquista, de prazer e dor, o deleite de escrever e a dor pela busca do texto perfeito. Assim, fruto de tal inquietude, de tal desafio em busca desse preenchimento que resulta do prazer e da dor, eu nunca me contentaria em escrever somente um género literário. Eu costumo dizer que não sou bom em nada como não se pode ser bom em tudo. A ser escritor, no lugar dos extremos baseados em géneros, eu prefiro ser um “escritor experimentalista”, uma espécie em trânsito constante, em direcção ao inalcançável. No fim, gosto da surpresa, da possibilidade do impossível, da descoberta e da tentativa.

“mundo grave” começou como uma novela e fui perdendo o controle. Desenvolveu-se como um fungo. Eu queria criar um personagem como o “Jaime Bunda” do angolano Pepetela ou qualquer outro que eu tinha conhecido com Ruth Rendell, Conan Doyle ou uma história como as Sidney Sheldon. O resultado foi algo que eu chamo de uma mescla de policial com o insólito maravilhoso, meio noir, meio horror. E isso era algo nunca antes escrito em Moçambique. Eu sempre admirei o conto e já tinha publicado alguns. O conto é uma espécie de haicai do romance. E isso faz do microconto uma espécie de haicai do conto. E eu tenho uma paixão pelo haicai. Então, um dia eu pensei em escrever contos-haicais, que seriam pequenos contos escritos em três parágrafos, mesmo a imitar o haicai, que tem três versos. Foi quando descobri o microconto ou a micro-narrativa. Achei, dentro desse encanto, “O livro dos abraços”, do uruguaio Eduardo Galeano, e fiquei fascinado. Depois de mostrar um rascunho dos microcontos ao escritor António Cabrita, ele recomendou-me a leitura de “Histórias de Cronópios e de Famas”, de Julio Cortázar, que está disposto como um conjunto de pequenas narrativas. Assim nasceu “O livro do homem líquido”. Eu acho que, no final, imitei sem copiar. 

3. Maiane Tigre – A obra mundo grave (2018) é uma forte evidência de quanto você sonda, entre as fendas da miséria social, as intercorrências de um grave mundo, subitamente revelado no homicídio, pela corrução do caráter, na fraqueza do espírito de pessoas más. No enredo, o insólito, a violência e o trágico se cruzam nas encruzilhadas da urbe, que se retroalimentam da falência das instituições. Nesse ínterim, demonstra-se, com notável vivacidade, as periclitantes faces da cidade flagradas pelos olhos atentos do narrador, os quais transformam um simples acontecimento em um crime macabro, repleto de suspense e envolto em brumas de mistério. Quais são os verdadeiros papéis da cidade, do insólito e do grotesco nessa narrativa?

Pedro Pereira Lopes Sou fruto tanto do ambiente rural como da cidade. A minha vida adulta, em particular, é uma vida de cidades, de trânsitos. Diferente do campo, a cidade parece um organismo mecânico, um formigueiro de homens e edifícios e movimentos. Não estou a querer dizer que há mais vida na cidade, mas nela a vida é um produto processado, os comportamentos e as ideias são fruto de um sistema utilitário que se parecem com os supermercados. A cidade, a sua fluidez, a sua frieza e a padronização, está mais próxima da metáfora da composição “Another Brick in the Wall”, do Pink Floyd, ou da modernidade líquida, de Bauman. Mas todos nós gostamos das cidades, mesmo os que nela não habitam. Então, a cidade acaba por fazer parte das nossas vidas, como parceiras, como amantes. Deve ser por isso que costumamos fazer músicas e hinos para as nossas cidades. No meu livro, a cidade em si, a cidade de Maputo, é a personagem principal, uma personificação de Sodoma e Gomorra. O Valete, músico português, diz que “a cidade é o cemitério dos vivos”. E eu concordo.

O insólito e o grotesco compõem o maravilhoso moçambicano. Por exemplo, existem relatos de determinados falecidos que foram avistados a vender pão nas ruas de cidades que não eram as de sua proveniência; ter que fazer uma cerimónia aos espíritos dos antepassados na inauguração de uma estrada ou ponte, para que não aconteçam [muitos] acidentes; a perseguição e decapitação de indivíduos albinos para o seu uso em rituais de enriquecimento, entre outras situações. E fica a questão, qual é a diferença entre o real e o imaginário? Em contexto moçambicano, não é fácil ter conclusões. A noção de realidade ou de ficção acaba por ser uma conclusão relativa. A Paulina “explora” isso em alguns dos seus livros. Em o “mundo grave”, não fica claro o que é real ou fantástico. O leitor [moçambicano], na base do que acredita, decide como interpretar o que lê, ou seja, não existe nada de positivo no romance.

4. Maiane Tigre – A coletânea de contos a invenção do cemitério (2019) demonstra a sua ampla predileção por temas voltados ao hiper-realismo social, calibrando, em sua contística, a confluência do trágico, referente a situações vividas, com a poesia extraída do cotidiano. Portanto, a arquitetura dos contos é construída mesclando a linguagem ornamentada da prosa poética ao gume cortante da palavra, expressando a tensão prevalecente no âmbito das hierarquias de poder. Além disso, outra tendência na prosa contemporânea é a flagrante permanência de problemas sociais que atingem as camadas populares, e certos atores ainda reféns da violência urbana ou da distribuição desigual de poder na contemporaneidade. Nesse ínterim, poderíamos afirmar que o elenco de personagens que participam deste jogo ficcional constitui a representação do povo moçambicano que se equilibra entre o hiper-realismo e o sonho?

Pedro Pereira Lopes O Professor Etelvino Guila, da Universidade Eduardo Mondlane, diz que sim, que representa. Mas eu não sei se concordo ou discordo, não discuto com académicos. A minha proveniência é humilde. “Humilde” é uma palavra eufemística que significa pobre. Ela é usada em contextos em que o ex-pobre parece ter pejo de usar a palavra pobre ou pobreza. Eu não nego. A minha família era pobre. Onde cresci, onde me adentrou a escrita, existia apenas pobreza. Então, tudo o que conheço melhor é gente pobre, é a penúria, é a fome, gente pouco ou não escolarizada, a crença no divino, que ocasionaria uma vida melhor; a luta constante, a descriminação económica e a ausência de oportunidades. São essas as minhas representações. Uma outra professora escreveu que os meus personagens eram os que viviam “à margem da sociedade”, os marginalizados. Não existe isso de viver “à margem da sociedade”, a sociedade é uma e única, mas estratificada, dual, desigual. Eu jamais escreveria sob o ponto de vista de um personagem rico ou branco, por exemplo, porque escrevo o que é real, o que conheço. Se o que conheço é o que vivi, o que vivo – o sonho, a esperança –, então escreverei sobre isso, não importa o contexto, pode até ser em ficção científica. Esta é a minha forma de protesto.

5. Maiane Tigre – Como você percebe a importância  de O livro do homem líquido, finalista do prêmio Oceanos 2022, para o conjunto de sua obra,  e extensivamente, para consolidar o quadro da literatura moçambicana contemporânea? De que modo ela pôde projetá-lo no cenário literário internacional e, por tabela, também permitir à literatura de Moçambique reconhecimento além-mar?

Pedro Pereira Lopes Fui também o editor de “O livro do homem líquido”, pela Gala-Gala Edições, editora que fundei em 2020. Era apenas um livro de cansaço, de descanso, fruto do meu “experimentalismo”, que eu queria editar. Não achei que fosse a chegar tão longe, que fosse a ser, de alguma forma, importante. Não tenho a mania de gostar ou desgostar dos meus livros, talvez por serem sempre diferentes um do outro. Este “O livro do homem líquido” fez o seu próprio percurso. Talvez vá representar alguma coisa, mas nos últimos tempos, não costumo criar ilusões, gosto de ver o curso das coisas. O meu maior medo é perder a habilidade de escrever. Já tive ambições de ser conhecido internacionalmente, mas hoje só quero escrever, escrever para os moçambicanos, que é o meu público primário, e para quem aprecia o que já escrevi.

Por conta do Oceanos, escreveu-me uma agência de escritores de Londres, interessados no livro, pode ser que dê em alguma coisa. Mas antes da nomeação eu já tinha sido contactado, também, por tradutores para o inglês e francês. Passam-se anos, não devem ter gostado. Tenho, ainda, livros editados em Portugal e Brasil. Já sou internacional, para a minha mãe. Se o livro, finalista que foi, fizer o seu percurso, estarei satisfeito. Por enquanto, está somente disponível em Moçambique.

6. Maiane Tigre – Quem é o poeta Pedro Pereira Lopes? Como foi a experiência de ter publicado o livro “fatia fresca de lua nova (2023)” em parceria com um dos mitos da poesia moçambicana, o poeta Armando Artur? Por que a escolha do gênero de poesia japonesa, haicai, para escrever retratos da vida e da natureza de Moçambique?

Pedro Pereira Lopes Não existirá um poeta Pedro Pereira Lopes. Não compro a ideia. Existe um escritor que escreve poesia. Foi através da poesia que entrei na literatura, os primeiros textos que escrevi. Naquele tempo, sim, queria ser poeta. Mas depois vi que existiam muitos poetas em Moçambique. E se fosse para ser “poeta”, que fosse para fazer alguma diferença. Então decidi fazer poesia para crianças, pois não tínhamos poetas para crianças. Conheci a Cecília Meirelles por via disso. O Quintana. E existia um livro muito bonito do Rogério Manjate, “A casa em flor”. Fiz dois livros de poesia infanto-juvenil. Eu sei escrever poesia e fiz alguma poesia bonita e mágica para os pequenos.

O poeta Armando Artur é um amigo que fiz no último ano. Estamos muito próximos e veja que o convívio entre escritores, em Moçambique, ficou uma coisa horrível. Somos ambos da Zambézia, e não se trata de regionalismo, mas os escritores, sendo seres isolados, preferem não jantar com o inimigo. Um dia, à mesa do bar – ando sempre a bolar ideias – perguntei ao Armando, tendo como referência alguns dos textos de seus livros, se tinha consciência do haicai. E ele me disse que sim. Perguntei-lhe se os tinha em número suficiente para compormos um livro às meias. E gosto bastante desta coisa de dois autores de gerações diferentes estarem a colaborar em algo.

Eu achei o haicai por acidente, pela mão do Paulo Leminski, e percebi que existia, na sua composição e espontaneidade, um exercício necessário para a minha madureza como artista. O Armando acha o mesmo, que algo de supremo reside na simplicidade do haicai. É um livro de pequenos poemas, mas imenso na sua intenção.


[1] Doutoranda em Letras: Linguagens e Representações (UESC). Bolsista FAPESP. Membro do Grupo de Pesquisa GpAFRO: Literatura, História e Encruzilhadas epistemológicas. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2240-325X. E-mail: maiane.tigre@hotmail.com. Esta entrevista é o resultado parcial da minha tese de doutoramento orientada pela profa Dra. Inara de Oliveira Rodrigues (UESC) e co-orientada pela profa Dra Sara Jona Laisse (Universidade Católica de Moçambique – extensão de Maputo).

Autor Pedro Pereira Lopes

Outras maravilhas humanas

ALDINO MUIANGA: O ESCRITOR DAS GENTES ENTRE A TRADIÇÃO E A SUBVERSÃO FICCIONAL

Maiane Pires Tigre[1]

1.Maiane Tigre – Poderia classificar o conjunto da sua obra em fases, entre a produção de contos, crônicas e romances, considerando a preponderância de temas, estilos, e as marcas da tradição ou de ruptura presentes em seus livros, de acordo com o período abordado, estendendo-se da década de 80 até 2022?

Aldino MuiangaComo em tudo, há sempre uma fase incipiente no início de qualquer empreendimento. Existe uma fase debutante, de timidez e receio de fazer “as coisas mal”. Sabido que é que uma primeira obra pode ser a perdição do seu autor, sempre usei de cautela, no início da minha carreira literária.  Esta começou como já o disse, por diversas ocasiões, com a produção de poesia. O projecto frustrou-se, porque toda a minha produção se perdeu em inundações, que assolaram o bairro onde residia. Era uma espécie de aviso que o meu caminho real não era o da poesia.

    Até 1987, nada escrevi que se chamasse literatura. O meu empenho residia em leituras, em exercícios de leitura, quase doentios. Queria escrever “bem”, veicular as minhas mensagens, de modo claro, profundo, penetrante e dissuasor. Durante as minhas leituras, apercebi-me que na literatura “moçambicana”, em geral, as referências que se faziam em relação à nossa cultura africana e (moçambicana em particular) eram, diria, exóticas, folclóricas, como curiosidades para consumo de turistas e curiosos. Isso causava-me muita estranheza e tristeza ao mesmo tempo. Pouco ou quase nada mesmo se escrevia sobre “nós próprios”, o que estava na essência cultural do ser moçambicano e africano.

     Obviamente que antes da declaração da independência do nosso país produziram-se obras de muita relevância, mensagens de protesto e de clamor pela autonomia nacional, pela afirmação de uma identidade que era sonegada pelo colonialismo. Foram obras que marcaram o nosso panorama literário até à independência nacional, como já o afirmei. Tive o privilégio de crescer num meio suburbano e de exercer actividades clínicas em meios rurais. A experiência que adquiri naqueles universos conferiu-me o caudal de informações de que necessitava para iniciar uma carreira literária que seria, em simultâneo, uma simbiose do que aprendera dos livros, e do que seriam os meus próprios conhecimentos sobre as culturas regionais e tradições específicas do indivíduo moçambicano e, por extensão do africano. Era um trabalho de pesquisa que decorria de um modo espontâneo, porque era natural. Absorvia as informações que colhia de diversas fontes: dos meus pacientes, de chefes e médicos tradicionais, companheiros de trabalho e demais fontes derivadas de convívios. Encontrava-me face a face com a verdadeira cultura do meu país, a vertente ignorada e escamoteada da nossa identidade.

     Assim surgiu a necessidade de proceder a uma rotura com as linhas oficias de fazer literatuta. Eu tinha a minha “literatura” por fazer, aquela que se fundamentava no real, isto é, na vida verdadeira do povo verdadeiro. Quis distanciar-me dos paradigmas correntes e seguir uma linha original: a de ser um porta-voz das estórias do povo, sem que isso signifique petulância ou complexo de superioridade. Sentia-me na obrigação de fazer “diferente”, e essa diferença começou a manifestar-se nas minhas primeiras publicações.

     Durante aquela fase incipiente consultei e partilhei alguns dos meus contos com autoridades na esfera literária de Moçambique. As primeiras impressões foram de espanto e de encorajamento. Todos diziam:  “explora esse veio”, “os temas são originais”, “a voz das nossas avós está presente nesses contos”, “os teus contos são autênticos nkaringanas”. Não tinha como vacilar. Prossegui a produção de contos com vigor, imbuído pela certeza de que as mensagens tinham eco entre o público leitor; e não só, que havia representatividade nos anseios dos leitores em “encontrarem-se, identificarem-se e interagir” naquelas narrativas. Eram afinal, e finalmente, as suas próprias estórias. E, aqui, residia a rotura de que falas, a quebra de convenções, a percepção de que a Literatura era um domínio do Ocidente, e privilégio para consumo de castas “cultas e civilizadas”.  A minha era a recusa e combate ao estereótipo ocidental de que tudo o que é “africano é folclore”.

Como já o afirmei, os meus primeiros escritos foram contos. Assim o fiz, porque por algumas razões: a primeira sendo porque a experiência me ensinava que o conto é o gênero primordial e muito eficaz na veiculação de uma mensagem, de uma estória. Nós, africanos, somos contistas natos, por excelência. Isso está timbrado na nossa matriz genética. Comunicamos uns com os outros, através de estórias curtas, argumentamos através de exemplos quotidianos, de adágios, transmitimos conhecimentos através dos nkaringanas. Essa é a nossa forma de estar, de ser e de comunicar. 

      A segunda razão pela opção do conto era meramente pessoal: não tinha experiência de escrita que me colocasse à-vontade para a elaboração de textos longos. Tinha “medo” de escrever. Embora tivesse aquele arcabouço de leituras, não me sentia em terreno seguro escrevendo novelas ou romances. Preferi textos curtos, com mensagens condensadas. Um leitor ou analista atento pode verificar que nos meus primeiros contos não há diálogos, mas apenas descrições. Sentia-me retraído a colocar os protagonistas a dialogar, tecnicamente falando, encontrava-me manietado pelo medo de errar. Felizmente, com o tempo e com a aprendizagem fui vencendo aquele impedimento até chegar à novela e ao romance.   

   As temáticas sobre as periferias, assim designadas para inferir rural e subúrbios, são dominantes na minha escrita  por razões que têm a ver com a afirmação identitária de grupos sociais marginalizados. Ninguém fala do camponês ou do suburbano como indivíduo com carácter e dignidade. Procuro identificar os valores desse indivíduo e colocá-lo na tribuna de um cidadão,  que possui uma história, que detém valores das suas tradições e tem uma cultura que não é inferior a nenhuma outra. Vou-lhe dar um exemplo: em todas as sociedade existem narrações de violência doméstica e pública. Em Lourenço Marques as havia. Os autores desses eventos eram (os de violência pública, em particular) eram os chamados mabandido. Esses eram jovens que provinham do campo, (majoritariamente de Gaza e Inhambane)  e trabalhavam como empregados domésticos dos colonos, vítimas diárias de abusos físicos e verbais dos patrões. Outros eram operários de construção civil, trabalhadores das fábricas  ou casas de pasto, também vítimas de semelhantes abusos. Todos eram catalogados de incivilizados, criminosos à margem da Lei e das normas de civismo. Não me recordo de ter lido, vez alguma, algum relatório de investigação que tenha revelado a razão profunda, para a disseminação de episódios de violência protagonizados por aqueles indivíduos, em público, e nas suas residências. Havia um problema de desajustamento social, conflitos de culturas, para os quais não havia autoridade ou psicólogo atento em decifrar aqueles desnivelamentos socioculturais. Acreditava que existia (e sempre existirá) um território onde residem valores culturais no indivíduo, que as sociedades ignoram e repudiam como obsoletas e obscurantistas. São esses valores que em muitos dos meus contos procuro trazer à tona. É talvez, por essa razão, que alguns analistas consideram a minha obra em geral, como voltada para o tradicional. Não o nego, porque é aí onde reside a essência dos meus escritos: chamar a atenção para o respeito pelos valores que cada um de nós detém, independentemente da sua origem social, da sua cultura e das suas tradições. Os procedimentos daqueles ditos “criminosos”, mais não eram do que uma sublimação à carga de violência que lhes era infligida pelos seus patrões, pertencentes a uma “civilização superior e diferenciada”. Neste considerando, aconselho a leitura atenta do conto “Operação Djodjo”, do livro O galo ruivo (2022).

     Creio que para um melhor entendimento de uma estória, o estilo e a linguagem devem ser as mais adequadas e apropriadas à mensagem que se pretende veicular. O próprio cenário é fundamental para colocar o leitor no ambiente certo, pretendendo apresentar a estória no universo onde os eventos decorrem. Claro que, ao longo desta experiência, ocorreu uma evolução no uso da linguagem. Aprendi e aperfeiçoei determinadas técnicas da narração que me permitem usá-las como instrumentos para maior eficácia na passagem das mensagens. A escrita é um acto dinâmico: quanto mais se escreve, mais se aprende, e menos erros se cometem. O meu lema é: para cada estória o seu estilo e a  sua linguagem. Isto é fundamental, porque evita-se o ridículo do uso de uma fraselogia longa, desnecessária e desconexa para descrever um acto simples, e tornar complexo o entendimento de um evento. Gostaria de dar um exemplo: se hoje escrevesse o livro “Xitala Mati” fá-lo-ia com aquela simplicidade e aquele encanto que o livro desperta? Se tivesse escrito o romance  Contravenção (de 2008), em 1987, teria conseguido conferir-lhe aquela acutilância que hoje tem? Penso que o momento histórico e a experiência ajudam a definir as técnicas de elaboração do texto, o estilo e a linguagem em simultâneo, sem esquecer o momento espiritual e emocional do autor. Ainda iremos falar sobre isto um dia.

   A minha escrita não de limita a narrações de estórias sobre os meios rurais e suburbanos. Não há dúvidas de que aquelas são dominantes, mas não exclusivas. Temos o exemplo do romance “Contravenção”. Considero-me um escritor multifacetado, mas com timbre marcado pela tradição, pelo suburbano e pelo rural. Tenho crónicas publicadas em revistas nacionais e internacionais sobre temas que nada têm a ver com publicações semelhantes a contos ou novelas. E seria contraproducente fechar-me numa redoma, feito curandeiro de cubata a velar espíritos de antepassados e, nesse exílio, deixar a vida fluir no universo do mundo em que vivo. Não! Estou atento ao que me rodeia, ao que me preocupa e, sobretudo, qual o contributo moral e social que posso prestar à sociedade em que vivo, que mensagem posso transmitir sobre os valores de que cada um de nós é portador, e como usá-los para um melhor e mútuo entendimento e tolerância cultural. Sou um idealista por natureza e por formação.

2.Maiane Tigre – Do risível à profusão de temas utilizados, quais as distintas faces do escritor Aldino Muianga, isto é, o Aldino continua o mesmo da década de 80, com o seu livro de estreia Xitala-mati, de 1987, ou há uma substancial diferença entre a escrita do charrueiro Khambira Khambiray e o prosador inserido no cerne da literatura contemporânea?

Aldino MuiangaTem de haver diferença. Neste caso, uma grande diferença. Afirmei antes que o processo de escrita sofre gradações, existe uma evolução nos processos de redacção dos textos, na selecção dos temas e seu tratamento. Aqui, volto a dizer, os momentos emocionais também variam e determinam a qualidade do produto final, que é a narrativa (conto, novela ou o que for). De 1987 até hoje, beneficiei-me de uma transformação na visão do mundo e do universo em geral. As sociedades evoluíram em vários sentidos. E eu, como membro de uma sociedade, tive de me ajustar àquelas transformações e conceber uma nova visão do mundo. E é nesse mundo onde me inspiro e fotografo as minhas narrativas, com uma linguagem renovada, actualizada, e ao entendimento do leitor que me leia. Considero-me parte de uma sociedade que se transforma. É esse o meu posicionamento, o de não ficar por detrás da História.

     O charrueiro Khambira Khambiray foi o cartão de apresentação de um autor que pretendia estabelecer uma rotura dos preconceitos no modo de fazer Literatura, pela temática e pelo tratamento da linguagem, com tonalidades e impregnações do conto tradicional. Aquele “morreu”, e seu lugar nasceu o Aldino Muianga do “Xitala Mati”, autêntico, detentor de uma vontade de dar a conhecer ao mundo a verdadeira face da nossa identidade, como moçambicanos e africanos. Esse tem sido o estandarte na minha jornada, como um Escritor comprometido com o seu povo, com a valorização das suas tradições, da sua cultura, da sua identidade, no que isso significa, em termos de respeito e reconhecimento daquilo que sou na totalidade, no meu lugar de nascimento, na lingua que falo, nas minhas crenças, nos modos de inserção na sociedade e no modo como concebo o mundo e o universo.

  Repare que o que escrevo, de modo algum, pode ser considerado uma frente de confrontação contra quem quer que seja, ou contra os ditames doutras culturas. Longe de mim tal ideia. O que proponho nos meus escritos é apenas, e isso somente, respeito e reconhecimento das culturas populares, sejam elas rurais, suburbanas ou urbanas, meios que nos conduzam a uma harmonização e equilíbrio nas sociedades em que todos somos chamados a compartilhar experiências, sem pejos, nem descriminações.  Isso somente.    

     Nós, moçambicanos, somos uma sociedade multicutural, com uma riqueza e um colorido étnico e racial singular. Se, no meu caso, optei pela via de exploração do veio rural e suburbano, existem outros escritores que terão optado por outras vias, que é salutar. Todos contribuímos, cada qual dando o melhor de si, para fazer deste nosso país culturalmente multifacetado, um lugar onde cada um dos seus cidadãos se sinta parte e parcela de uma Nação da qual se orgulhe.    

3.Maiane Tigre –  Qual a relevância da cultura moçambicana no conjunto da sua obra? O conto é a pedra de toque de sua prolífica atuação literária. De acordo com Can (2015, p.11),“faz do gênero […] um lugar de permanente reinvenção.”  Como se dá essa reinvenção e de que modo consegue evitar a repetição ao longo dos anos, já que é dono de uma vasta produção, em torno de 19 livros, entre romances e coletâneas de contos, dentre os quais se destacam: O domador de burros e outros contos, (2015), A noiva de Kebera, contos (2016), Asas quebradas, romance (2019)?

Aldino Muianga – De acordo com muitos analistas literários, a minha obra tem sido uma referência em pesquisas sobre vários aspectos, nomeadamente, a simbiose entre o conto tradicional e o conto clássico. Naquele contexto, o conto é a forma mais eficaz de expressão popular, em uso nas comunidades, desde os tempos seculares. Como poderia eu inverter esse processo, senão seguir as suas dinâmicas e modernizar os meios de narrar? Para o povo, o conto é um estandarte na comunicação social. De passagem, posso dizer que em muitas aldeias do campo remoto existem competições de contos tradicionais. Assim se perpetua uma tradição secular baseada na formação de peritos no que tange à transmissão e perpetuação da História dessas comunidades.  O conto, sim, é uma pedra angular, o fulcro onde se articula a oralidade. Foi desta que as comunidades conheceram eventos do passado, dos conflitos entre etnias, de todos os eventos seculares arquivados na memória dos povos. Sem os benefícios dos registos grafados em arquivos históricos, aquelas memórias ter-se-iam perdido e esquecido nos túmulos, onde jazem os seus protagonistas e suas  testemunhas.    A criatividade é essencial em qualquer área de produção artística. A repetitividade instala-se onde não existe criatividade. Penso que existem sempre formas de criar novas situações, novos enredos, invenção de novos protagonistas, com diversas intervenções no texto. Isso é o que cria esse dinamismo no processo de escrita do autor. Este não pode ser estanque, à espera que os acontecimentos lhe cheguem à mão. A busca, a pesquisa de novas estórias é primordial na obra de qualquer criador artístico. Um Escritor é um artista por excelência. Nessa qualidade, ele capta sensibilidades e memórias; reinventa e reproduz, sonha e concretiza. Esse é o processo de reinvenção que em mim decorre ao longo da minha produção literária.  Gosto de dizer que um Escritor tem seis sentidos, sendo, o sexto, o da reinvenção do real.

4.Maiane Tigre – O mítico, a espiritualidade, o sobrenatural, a dimensão telúrica, a presença de espíritos convivendo com os vivos, são alguns dos ingredientes fundamentais na composição de suas narrativas. Portanto, qual seria a hermenêutica ou linha de leitura mais conveniente para interpretar as histórias dessas gentes, melhor dizendo, qual seria a sintaxe do sonho utilizada na arquitetura dos seus textos?

 Aldino Muianga – Nas culturas africanas, e a moçambicana não foge como excepção, a relação entre vivos e defuntos é intrínseca, presente e concreta. Existe, entre nós, a concepção de que os defuntos estão presentes na vida de cada um e determinam de modo subtil o deselance de eventos do quotidiano. São exemplos correntes nas famílias, e em indivíduos, em particular, a atribuição de fatalidades, de doenças prolongadas, de desemprego, de infertilidade e outros malefícios como sinais de intervenção de defuntos.

     A relação à que me refiro, manifesta-se pelo empenho dos vivos, em práticas de rituais de apaziguamento dos defuntos, aos quais os vivos se submetem e imploram pelo sua intervenção, para uma vida isenta de perturbações. O uso de amuletos, os rituais de invocação nos túmulos, os exorcismos nas cabanas dos magos, as práticas de autoprotecção contra o mau-olhado, são algumas das inúmeras práticas que o africano, de um modo geral, recorre para estabelecer aquela ponte entre si e os seus defuntos.

   Na minha prática clínica, testemunhei casos desta relação entre os meus pacientes, com os seus defuntos. Cito apenas alguns exemplos, que ilustram aquele compromisso entre vivos e mortos. Para mais detalhes, remeto o leitor ao livro “Hospital, contar clinicando, Volume I” a ser publicado em breve.

5.Maiane Tigre – Você acredita que poderia ser considerado um escritor da tradição, cuja escrita se circunscreve a um momento histórico específico do pós-independência, diretamente vinculada à Geração Charrua, um escritor da ruptura, que subverte o próprio estilo, ou se classificaria, justamente, como a intersecção desses dois momentos, tornando-se um prosador atemporal, que está além de fechamentos ou reducionismos estanques?

Aldino Muianga – Na minha obra está vincado o compromisso de seguimento de uma linha que se pauta pela narração de eventos ligados às culturas e tradições  nas comunidades do meu país. As tradições, as culturas, os mitos e todos os valores de espiritualidade sempre existiram, e são perenes. O que narro só pode deixar de ser novidade para quem anda desatento às dinâmicas das sociedades periurbanas e rurais. A literatura que ficção fundamenta-se nisso, no revolver da História das comunidades, independentemente do tempo onde ela (a História ou as estórias) possa ter lugar. Repare que no livro “A Noiva de Kebera” se descrevem eventos do período pré-colonial, como prova da atemporalidade da minha escrita. Não me cinjo a espaços estanques, como já o afirmei anteriormente. O que informa os meus escritos são fundamentalmente as culturas, as suas intercepções, os conflitos que esses cruzamentos geram, as soluções achadas para a conciliação destes universos aparentemente contraditórios. A rotura apresenta-se como a abertura de uma página inédita na linha temática, que privilegia o subúrbio e o campo como cenários onde desfilam protagonistas doutras culturas, que não as convencionais e catalogadas como  “superiores”.

6.Maiane Tigre – A figura da prostituta possui significativa centralidade no âmbito da produção literária moçambicana. Em Meledina ou a história de uma prostituta (2010), observa-se um retorno ao tempo colonial, na condição de romance histórico. Qual o enquadramento dessa obra, do ponto de vista da História de Moçambique? Este romance possui elementos que sedimentam a tradição literária do país, face ao papel transgressor desempenhado pelas prostitutas representadas na pena dos escritores da nova geração, como Rabhia, de Lucílio Manjate, e Shonga, de Pedro Pereira Lopes, personagens modelares da subversão?

Aldino Muianga – No livro em referência, a figura da protagonista Meledina simboliza o nível de degradação da Mulher, ela é a porta-estandarte de um exército de oprimidos pelo colonialismo na frente da exploração sexual. Naquele espaço e tempo colonial, a prostituição dir-se-ia institucionalizada, sindicalizada, um “bem de consumo oficial”, para as elites coloniais. “Meledina “ constitui-se como um valor que se assume como um simbolismo de dignidade como Mulher, mãe, e porque não? Esposa virtual do seu próprio opressor. A prostituição é um mal das sociedades, com desigualdades socioeconômicas, e Moçambique não foge a esse desiderato. Vivemos numa sociedade viciada onde impera a lei-do-mais-forte, na qual a Mulher assume um papel de serva, de sub-cidadã, de um instrumento avassalado por uma sociedade patriarcal.  É nesta corrente que alguns escritores do meu país focam algumas das suas produções sobre aquele problema e o seu impacto na sociedade. São sinais de protesto (e este é um dos papéis da Literatura) que, espero, tenham algum eco nos ouvidos de quem tem a responsabilidade de consertar os desconcertos deste País. 

7. Maiane Pires – Comente sobre a recente publicação do livro O galo Ruivo (2022), destacando as principais inovações, além de mencionar o mote primordial dessa narrativa. Quais são os projetos futuros voltados para sua carreira literária?

Aldino Muianga – “O galo ruivo” é uma colectânea de contos, que retrata o perfil sociocultural e económico dos habitantes do cosmos suburbano da cidade de Lourenço Marques e dos meios rurais. Naquela compilação, as narrativas denotam  uma nova dinâmica  na estruturação  dos textos, que se podem considerar como uma exploração doutros veios de ficção narrativa. Em alguns contos, o uso de metáforas e de trocadilhos confere um pendor poético original na linha de escrita a que habituei o leitor. Às vezes me pergunto se a poesia não estaria a ressuscitar dentro de mim… Continuo a escrever, tanto quanto possível, sempre à busca de novos elementos, com que enriqueça os meus escritos. Para o ano corrente, projecto publicar um romance, uma novela e uma colectânea de contos. Os livros já foram entregues ao Editor, para as protocolares valiações e processamento das burocracias pré-publicação.

Grato pela atenção.

Aldino Muianga

Pretória, 20 de Janeiro de 2023


[1] Doutoranda em Letras: Linguagens e Representações (UESC). Bolsista FAPESP. Membro do Grupo de Pesquisa GpAFRO: Literatura, História e Encruzilhadas epistemológicas. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2240-325X. E-mail: maiane.tigre@hotmail.com. Esta entrevista é o resultado parcial da minha tese de doutoramento orientada pela profa Dra. Inara de Oliveira Rodrigues (UESC) e co-orientada pela profa Dra Sara Jona Laisse (Universidade Católica de Moçambique – extensão de Maputo).

Fonte da imagem: Plataforma Mbenga

Lançamentos!, Outras maravilhas humanas

Litafrika – exposição na Suíça (Zurich) celebra “encontros artísticos” africanos

Será acolhida em Zurich (Suíça), entre 16 de Junho e 3 de Setembro de 2023, uma exposição com artistas africanos.

A curadora da exposição, Zukiswa Wanner, monta uma encenação de encontros entre romances contemporâneos, performances, música ou arte visual. Atravessando fronteiras nacionais e barreiras linguísticas, a exposição lança luz sobre uma geração de escritores interligados e activos internacionalmente.

Zukiswa Wanner responde à primeira parte da série de exposições “litafrika” (2022-2024) com oito textos em prosa. Como uma forma de continuação do “Poesias de um Continente” (2022), coloca ênfase no romance, em vez de no poema, especificidades em vez de abundância – e sobretudo nas diversas histórias de autores mais jovens, em vez dos autores clássicos pós-coloniais: com que temas as figuras literárias contemporâneas lidam hoje em dia? Como é que os artistas encenam as passagens seleccionadas?

“A exposição compreende alguns dos mais talentosos autores contemporâneos, músicos, actores e artistas visuais da minha geração de países de África em língua inglesa, francesa e portuguesa. Os países representados nesta exposição fazem apenas 25% das nações da minha África, mas como pan-africanista, escolho ignorar as fronteiras e prefiro concentrar-me na forma como as nossas histórias, sons, expressões e arte que verão aqui ressoam em todo o segundo maior continente do mundo”. Zukiswa Wanner.

Para os “Encontros Artísticos”, foram criadas parcerias que transferem literatura para vídeos e obras de arte e ao mesmo tempo aprofundam o diálogo entre regiões linguísticas através da tradução de textos. A exposição está concebida para ser exibida também no continente africano.

“De alguns, já terão ouvido falar”. De outros, espero que fiquem entusiasmados em conhecer nesta exposição”.

Ishmael Beah (Serra Leoa): Radiance of Tomorrow (2014)                 

x Shaffik Manzi (Ruanda): artista visual   

Virgília Ferrão (b. 1986, Moçambique): Os Nossos Feitiços (2022)

x Jussara Camble (São Tomé e Príncipe): actriz

Abubakar Adam Ibrahim (Nigéria): Season of Crimson Blossom (2015)

x Zikhona Sodlaka (África do Sul): actriz

Angela Makholwa (África do Sul): Critical but stable (2021)       

x Michael Soi (Quénia): artista visual

Jennifer Nansubuga Makumbi (Uganda): The First Woman (2020)

x Ntombephi Ntobela (África do Sul): artista visual

Yara Nakahanda Monteiro (Angola): Essa Dama Bate Bue (2018)

x Zubz the Last Letter (Zâmbia): músico

Fiston Mwanza Mujila (República Democrática do Congo): Tram 83 (2014)

x Prudence Katomeni (Zimbabué): músico

Ondjaki (Angola): Os Transparentes (2012)      

x Seeretse (Botsuana): músico

Sobre a Curadora:

Zukiswa Wanner (b. 1976, Zâmbia) é escritora e mediadora de literatura ; vive na África do Sul e no Quénia. Wanner publicou contos, romances e livros infantis e esteve na lista “Africa39” em 2014; em 2020, recebeu a Medalha Goethe pelos seus serviços de intercâmbio cultural internacional.

Fonte do texto:

Outras maravilhas humanas

Vencedor do Prémio Chakwera é o Moçambicano Ortega Teixeira

Foi anunciado numa cerimónia que decorreu no Malawi no dia 4 de Novembro do corrente ano, o vencedor do Prémio Chakwera para Discurso Público. O Prémio Chakwera para Discurso Público é um concurso anual e na sua primeira edição, convidava cidadãos dos 16 Estados Membros da SADC a apresentarem áudios gravados, articulando as suas ideias inovadoras para reforçar a unidade Pan-Africana.

Segundo a nota partilhada pela Casa do Estado do Malawi, Sua Excelência o Dr. Lazarus McCarthy Chackwera, Presidente da República do Malawi, entregou na tarde do dia 4 de Novembro, o prémio inaugural, ao seu primeiro vencedor,  o moçambicano João Ortega Teixeira Amone.

O Presidente instituiu este prémio, que vem acompanhado de um valor monetário de 4.000 USD, em 2021, durante o seu mandato como presidente da SADC, para incentivar a visão dos jovens africanos, sobre as suas aspirações para o Continente. O valor monetário do prémio para este ano foi patrocinado pelo Banco NBS e a Simso Malawi, cujos líderes estiveram presentes na cerimónia para testemunhar a entrega do prémio. Também esteve presente o embaixador adjunto de Moçambique,  o Sr. José Zita.

O discurso de Ortega Teixeira, vencedor do prémio, que foi submetido em Português, abordou a necessidade dos africanos trabalharem e manterem-se unidos como um só no palco do mundo, por forma a protegerem os recursos africanos, contra exploração e abusos. O Presidente congratulou Ortega Teixeira pela coragem clara e paixão na sua entrega e incentivou todos os cidadãos africanos a continuarem a usar a sua voz para partilharem a verdade para empoderar, porque a palavra é poder.

O Diário de Uma Qawwi participou no concurso como um dos membros do Júri, e toma esta oportunidade para parabenizar o vencedor do prémio, bem como a Presidência da República do Malawi por esta iniciativa.

Sobre João Ortega Teixeira Amone: nasceu a 02/03/1982, distrito de Nhamatanda, província de Sofala, mas vive em Chimoio desde bebê. Foi professor primário e secundário no pós-laboral, de 2001 a 2010, nos distritos de Machaze e Chimoio, leccionando História e Língua portuguesa. É Jornalista, trabalha na RM desde Maio 2010. Licenciado em Jornalismo pela Escola Superior de Jornalismo. Começou a escrever crónicas em 2006 na Rádio Comunitária Gesom, arte que o levou à RM. Desde Maio de 2020 é Assessor de Imprensa da Governadora de Manica. Foi vencedor da V edição do Grande prémio nacional  SNJ/Vodacom na categoria “Areosa Pena” para a melhor crónica em 2012. Foi vencedor do prémio qualidade na RM para a melhor crónica em 2014. A RM centralmente indicou a quarta-feira para a transmissão das crónicas que o autor apelidou “coisas da nossa terra” por resultarem do trabalho de campo, em busca de algo inédito nas comunidades.

Imagens: cortesia da State House Malawi

Outras maravilhas humanas

Submissões e publicações

Caro(a)s Leitore(a)s, Caro(a)s Escritore(a)s,

Temos a honra de anunciar o novo formato do Diário de Uma Qawwi (DDQ).

Para além de contarmos com novos parceiros, finalmente abrimos as portas para a recepção e publicação de textos. A nossa janela de submissões corre de 1 de Novembro a 28 de Fevereiro.

Durante esta janela iremos também seleccionar textos para o Volume 2 da antologia Espíritos Quânticos.

Estamos todos ansiosos para receber dos nossos autores e autoras, e para partilhar com os nossos leitores e leitoras, o melhor da literatura fantástica!

Confira os detalhes AQUI

Diário de Uma Qawwi

31 de Outubro de 2022

Outras maravilhas humanas, Resenhas

A Bright Flashlight Ahead: the New Narratives Programme (EN/PT)

By Virgília Ferrão, 30 August 2022

The ties between Africa and the United Kingdom are well known. Today, the two maintain cooperation strategies that redefine different narratives in various spheres: art, culture, and education. Indeed, the relevance of international relations and the role each individual plays in these relations are unquestionable.

What may be questionable, however, is how the complex singularities and contexts of each people are interpreted in the course of intercultural dialogues. As the popular saying goes, truth is in the eye of the beholder. In this case, what is truth? Are the African stories known in the UK those with which Africans related to? Are the narratives representative of the UK known in African countries?

These questions are thought-provokingly reflected in the British Council’s research, conducted through M&C Saatchi World Services for a five-year programme called New Narratives. The initiative aims to help update African and UK narratives, stimulating dialogue and promoting more beneficial collaborations between young people across both places.

In this opinion piece, I intend to assess to what extent the research from the British Council is effective for a “new narratives” programme. Particular focus goes to what has been designated as “Narrative Touchpoints”, which refer to the interaction of sources and the conditions that shape common narratives. Four have been identified:these are direct, bridging, mediated, and iconic touchpoints.

Direct touchpoints refer to experiences where young people come in contact with people from the other place. Bridging touchpoints, on the other hand,are platforms that involve people from both places. Examples include the English Football Premier League, with many leading players from African countries.Mediated narrative touchpoints, for its part, include actors, TV, advertising, and news media representations of one or the other. Some portrayals are positive in how they communicate another place, but other representations present a more trivial image.

Iconic narrative touchpoints are interesting in that they refer to individuals, places, and buildings that are identified with either the UK or countries of Africa. Examples include the British royal family and William Shakespeare (UK), as well as images of Nelson Mandela or Kilimanjaro (Africa).

British Council’s research indicates that the dominant narrative, from the perspective of young Africans, is that the UK embodies a diverse range of positive values, being seen as a world leader, academically or economically. At the same time, there is concern about racism and elitism.  From the perspective of young people from the UK, however, the African continent, as a whole, is imagined according to two extremes: idealized for the romantic view on landscape and wildlife, or demonized for corruption and poverty. Nuance is heavier on the African side of the imaginative pool, and more lacking from the British end of the view. Surely, more nuance would be expected in engaging a continent of well over fifty countries spread across three time zones and eight distinct geographical regions, indicating a problem.

The research highlights not only the above-mentioned narrative touchpoints but also narratives that young people from African countries and the UK would like the other to have access to, as well as what aspects of the narratives should be amplified and/or avoided. Interestingly, on the one hand, it is concluded that latent colonial and neo-colonial tropes, cultural appropriation, and the expression of fragility are to be avoided. On the other, influential voices and African diversity are aspects to be magnified. If this were to happen, in my view, there would be a positive impact on the dialogues between people and the development of nations, especially in African countries.

Still on the subject of diversity, inclusion and pluralism, I am of the opinion that new African voices need to be amplified and heard, particularly those we might consider the ‘minority’, for example Lusophones. Despite the language barrier, Lusophone African countries play a major role… role in art, culture, and education, shaping these relations. These countries are often left behind on some interactions that enhance the ties of African countries and UK. As such, translation initiatives from both, so that English audiences from UK and Africa can have access to Lusophone African creations and vice-versa is crucial. On that regard, Mozambique is one of the countries that has been providing great contributions. One example is the work by publisher Trinta Zero Nove, recognized through the Award for Literary Translation Initiative at the London Book Fair of 2021 and the PEN Translates Award (awarded to Sandra Tamele and Jethro Soutar), in 2022, for the translation to English of the book “Tchanaze, a donzela de Sena”, by Carlos Paradona. Initiatives for inclusion may also include foster opportunities for cultural and learning exchange.

Another aspect that can be attained from the methodology employed by the M&C Saatchi-produced research regards fundamental tools for real change in the current narratives. First, interaction and listening to individual voices, especially those of young people. While the role of government and institutions to steer the flywheel is essential in order to achieve desired outcomes, attention must be paid to people, as individuals, and their choices. Likewise, recognizing the multiple and complex realities of each country seems crucial. Understanding, for example, the good, bad, and, above all, the real features about each place – without falling into kneejerk pessimistic or unsupported optimistic theories – is fundamental to the effective implementation of a New Narratives programme. 

By highlighting the touchpoints that shape common narratives, the research makes the importance of dismantling stereotypes obvious. No birds of a feather. Stereotypical habits allow us to strike blows that jeopardize individual, as well as intrinsic inter-institutional relationships. Better opportunities can be achieved if people better understand the myriad cultural characteristics of theirs and other places. Young Africans and young people from the UK may feel that environments or places are against them, when in reality, it is just a matter of clashing views. By stressing this particularity, this long overdue programme shades a new light and view on how this relationship can be successfully built.

Speaking of opportunities, it cannot be ignored that an understanding of the narratives that construct African countries and the UK will lead to greater social inclusion. Such a concept relies on the pro-activity of states in addressing inequalities, however, it is also a complex concept because it encompasses many different realities. The research is a first, foundational step to facilitating understanding of the said differences.

As an author from a Lusophony African country, I am happy to see this research and programme, with the potential to foster dialogue and cooperation between my diverse continent and the UK. In this context, the big lessons to be retained are: rather than the complex realities about individual peoples and places being feared, they should serve for better engagement between peoples; It is time to say goodbye to stereotypes and prejudices. Strictly speaking, it is time for us to rediscover the truth through the eyes of those who are in countries of Africa and the UK.

To access the full report of the research click HERE or visit the link https://www.britishcouncil.org/society/new-narratives/insights/research

Uma brilhante lanterna à vista: o programa Novas Narrativas

Por Virgília Ferrão, 30 de Agosto de 2022

Os laços entre África e Reino Unido são sobejamente conhecidos. Actualmente, o continente e o país mantêm estratégias de cooperação que redefinem diferentes narrativas em várias esferas: arte, cultura e educação. De facto, a relevância das relações internacionais e o papel que cada indivíduo desempenha nessas mesmas relações é inquestionável.

O que pode ser questionável, contudo, é como as complexas singularidades e os contextos de cada povo são interpretados no decurso de diálogos interculturais. Como diz o ditado popular, a verdade está nos olhos de quem a vê. Neste caso, o que é a verdade? As histórias africanas conhecidas no Reino Unido são aquelas com as quais os africanos se identificam? Será que as narrativas representativas do Reino Unido são conhecidas nos países africanos?

Estas questões são reflectidas, de forma instigante, na pesquisa da British Council, por intermédio da M&S Saatchi World Services, para um programa de cinco anos, designado “Novas Narrativas”. A iniciativa visa contribuir para actualizar as narrativas africanas e do Reino Unido, estimulando o diálogo e promovendo colaborações mais benéficas entre os jovens dos dois lugares.

Nesta resenha, pretendo avaliar até que ponto a pesquisa da British Council é eficaz para o programa “Novas Narrativas”. O enfoque particular vai ao que foi designado “os pontos de contacto da narrativa”, que se referem à interacção das fontes e às condições que moldam as narrativas comuns. Foram identificados quatro pontos de contacto da narrativa: 1) directo, 2) ponte, 3) mediático e 4) icónico.

Os pontos de contacto directo referem-se a experiências em que os jovens entram em contacto com pessoas de outros lugares. Já as pontes, por outro lado, são plataformas que envolvem pessoas de ambos os lugares. Exemplos de pontes incluem a Liga de Futebol Inglesa, com muitos jogadores dos países africanos. Os pontos de contacto mediáticos, por sua vez, incluem actores, televisão ou publicidade e representações na midia de um ou outro. Algumas representações são positivas na forma como comunicam o outro o lugar, mas outras apresentam uma imagem mais trivial.

Os pontos de contacto icónicos são interessantes dado que referem-se a indivíduos, lugares ou edifícios que são identificados, quer com o Reino Unido, quer com a África. Exemplos incluem a família real britânica e William Shakespeare (Reino Unido), assim como Nelson Mandela ou o Kilimanjaro (África).

A pesquisa da British Council indica que a narrativa dominante, pela perspectiva dos jovens africanos, é que o Reino Unido encarna uma gama diversificada de valores positivos, sendo visto como líder mundial, em termos académicos ou económicos. Ao mesmo tempo, existe uma preocupação com o racismo e o elitismo.  Na perspectiva dos jovens do Reino Unido, entretanto, o continente africano, como todo, é imaginado de acordo com dois extremos: idealizado pelas visões românticas da natureza e da vida selvagem, ou demonizado pela corrupção e pobreza. As nuances é são mais pesadas do lado africano no campo da imaginação, e mais ausentes do ponto de vista do lado britânico. Certamente, esperava-se muito mais detalhes no envolvimento de um continente com mais de cinquenta países espalhados por três fusos horários e oito regiões geográficas distintas, o que indica um problema.

A pesquisa vai além ao destacar não só os pontos de contacto narrativos mas também as narrativas que os jovens de países africanos e do Reino Unido gostariam que o outro tivesse acesso, bem como que aspectos das narrativas deveriam ser amplificados e/ou evitados. Curiosamente, por um lado, conclui-se que as tropas coloniais latentes e neo-coloniais, a apropriação cultural e a expressão da fragilidade são para ser evitados. Por outro, as vozes influentes e a diversidade africana são aspectos por ampliar. Se isso acontecesse, haveria um impacto positivo nos diálogos entre os povos e no desenvolvimento das nações, especialmente nos países africanos.

Ainda sobre o tema da diversidade, inclusão e pluralismo, sou de opinião que as novas vozes africanas precisam de ser amplificadas e ouvidas, particularmente aquelas que poderíamos considerar a “minoria”, por exemplo, dos países lusófonos. Apesar da barreira linguística, os países da África lusófona desempenham um papel importante, na arte, cultura e educação, moldando estas relações. Estes países são frequentemente deixados para trás em algumas interacções que reforçam os laços dos países africanos e do Reino Unido. Como tal, as iniciativas de tradução de ambos, para que o público inglês do Reino Unido e de África possa ter acesso às criações africanas lusófonas e vice-versa, é crucial. A este respeito, Moçambique é um dos países que tem dado grandes contribuições. Um exemplo, é o trabalho da editora Trinta Zero Nove, reconhecida através do Prémio Excelência em Iniciativa de Tradução Literária na Feira do Livro de Londres em 2021, e do Prémio PEN Translates Award (atribuído à Sandra Tamele e a Jethro Soutar), em 2022, pela tradução para o inglês da obra “Tchanaze, a donzela de Sena”, de Carlos Paradona. As iniciativas de inclusão poderiam também incluir a promoção de oportunidades de intercâmbio cultural e de aprendizagem.

Outro aspecto que pode ser percebido a partir da metodologia empregada pela pesquisa da British Council é referente a ferramentas fundamentais para uma mudança real nas narrativas actuais. Primeiro, a interacção e a escuta de vozes individuais, especialmente dos jovens. Embora seja essencial o papel do Governo e das instituições para orientar o volante, de modo a atingir-se os resultados desejados, deve ser dada atenção às pessoas, como indivíduos, e às suas escolhas. Da mesma forma, o reconhecimento das realidades múltiplas e complexas sobre cada país parece crucial. Compreender, por exemplo, as características boas, más e, sobretudo, as reais sobre cada lugar – sem cair em precipitadas teorias pessimistas ou optimistas sem suporte – é fundamental para a implementação eficaz do programa “Novas Narrativas”.  

Ao destacar os pontos que moldam as narrativas comuns, a pesquisa torna óbvia a importância do desmantelamento de estereótipos óbvios. Não se é farinha do mesmo saco. Os hábitos estereotipados permitem-nos golpes que põem em risco as rotinas diárias individuais e as relações mais intrínsecas interinstitucionais. Melhores oportunidades podem ser alcançadas se as pessoas compreenderem melhor as características culturais dos locais onde se inserem. Os jovens africanos e os jovens do Reino Unido podem sentir que os ambientes ou os lugares estão contra eles, quando, na realidade, é apenas uma questão de mistura de génios e de visões do mundo. O destacamento desta particularidade é um excelente diferencial para o sucesso do programa.

Por falar em oportunidades, não se pode ignorar que uma compreensão das narrativas que constroem os países africanos e o Reino Unido conduzirá a uma inclusão social. Este conceito assenta na pró-actividade dos Estados na abordagem das desigualdades, no entanto, é também um conceito complexo porque engloba muitas realidades diferentes. A investigação facilita a compreensão das diferenças.

Como jovem autora de um país africano lusófono, estou feliz por ver esta pesquisa e este programa com potencial para fomentar o diálogo e a cooperação entre o meu continente e o Reino Unido. Neste contexto, as grandes lições a serem retidas são: ao invés de as realidades complexas sobre cada um dos povos e lugares serem temidas, devem servir para um melhor engajamento entre os povos; as vozes que podem moldar as novas narrativas devem ser ampliadas e as suas ideias podem contribuir para diferentes políticas em ambos lugares. É tempo de dizer adeus aos estereótipos e aos preconceitos. Em bom rigor, é tempo de redescobrirmos a verdade pelos olhos de quem está nos países de África e do Reino Unido.

Para conhecer o relatório da pesquisa na íntegra, clique AQUI ou visite o link https://www.britishcouncil.org/society/new-narratives/insights/research

Lançamentos!, Outras maravilhas humanas

CHAMADA PARA A ANTOLOGIA DE CONTOS “LENDAS URBANAS E CONTOS DE MORRER DE MEDO”

Quem não se lembra da história [ou estória] dos “Tatá papá tatá mamã”, da “xipoko xa ma mecha” (fantasma de mechas), do fantasma que apanhava boleia, das serpentes voadoras de Goba, dos Anapaches, dos mitos dos maridos/esposas da noite, do estrangeiro que seduzia mulheres novas e avarentas, para depois infectá-las de doenças medonhas, ou ainda da “Maria bheri ubhozi” (“Maria de uma mamã”)? O imaginário social vive de lendas urbanas e mitos rurais, que, de tempos em tempos, surgem e desaparecem, desempenhando, como advogam alguns especialistas, um papel importante nas sociedades.

Moçambique e as suas diversas regiões não ficam de fora. Quando o assunto é debatido, várias histórias são contadas, muitas delas pequenas, breves, de carácter fantástico ou sensacionalista, divulgada de forma oral. Serão elas verdadeiras, baseadas em factos reais? Ou constituem, somente, parte do folclore (tradicional e moderno)?

A Gala-Gala Edições pretende lançar uma antologia baseada nas lendas urbanas (e mitos rurais) de Moçambique, fazendo uma homenagem ao imaginário popular e/ou folclore moderno do país. A chamada é extensiva, também, para escritos de terror (sobrenatural ou não, psicológico, suspense e outros subgéneros) que tenham Moçambique como cenário. Serão escolhidos 13 contos, em referência ao número 13, obviamente amaldiçoado, segundo a crença popular.

Os textos deverão ser enviados entre os dias 25 de Julho e 25 de Setembro. Cada autor poderá enviar apenas um conto, com um limite de 15 páginas (veja o regulamento). O livro contará com a curadoria dos escritores Lucílio Manjate e Pedro Pereira Lopes.

Esta iniciativa conta com o apoio da Casa do Professor, da plataforma Mbenga – artes e reflexões, do Diário de uma Qawwi, do sarau Palavras são Palavras e do Clube de Leitura de Quelimane.

Para mais detalhes veja o cartaz da chamada e o regulamento.

Regulamento


1 Participação


1.1 A chamada destina-se a escritores moçambicanos. Os participantes devem ser maiores de 18 anos e residentes em Moçambique. Podem participar escritores com e sem obra publicada.

1.2 A inscrição é gratuita e nenhum valor será cobrado aos inscritos em nenhuma fase do projecto.

 
2 Orientações


2.1 Só publicados contos inéditos. Aos autores seleccionados será exigido um termo de responsabilidade e autoria.

2.2 Os textos deverão ser encaminhados para o e-mail galagalalivros@gmail.com, com a seguinte epígrafe no assunto: LENDAS URBANAS E CONTOS DE TERROR. No mesmo documento, a seguir ao texto, deverá ser apresentada uma breve nota biográfica, de até 8 linhas.

2.2.1 Os textos deverão ser enviados em formato Word (não aceitaremos PDF), espaçamento 1,5 entre linhas; fonte Times New Roman (12); O conto precisa ter o título e o nome do autor  (nome que irá aparecer no livro) no início do documento; O conto deve ter um máximo de 15 laudas.

2.2.2 Para os diálogos, deverá ser utilizado o símbolo de travessão.

2.2.3 Inscrições e textos que não obedecerem o formato serão automaticamente desclassificados.

2.3 Cada autor poderá inscrever só 01 (um) conto.
2.4 Não serão aceitos contos que incitem, glorifiquem, defendam ou demonstrem de forma positiva: estupros, uso de drogas, racismo, LGBTfobia e preconceitos no geral.

3 Publicação


3.1 A antologia terá até 13 (treze) contos participantes. Dentre os quais, aqueles escritos pelos autores seleccionados através desta chamada, podendo haver a participação de autores convidados pela Gala-Gala Edições.

3.2. A selecção final dos textos inscritos será da responsabilidade dos escritores e contistas Lucílio Manjate e Pedro Pereira Lopes.

4 Direitos autorais

4.1 Todos os autores receberão dois exemplares do livro impresso podendo, também, adquiri-lo com desconto de 30%.

5 Disposições finais

5.1 Nos limitamos a não justificar o motivo da não selecção do conto.

5.1.1 O(a) participante se responsabiliza por responder isoladamente em caso de plágio e afins.

Outras maravilhas humanas

PRÉMIO CHAKWERA PARA DISCURSO PÚBLICO

O Prémio Chakwera para Discurso Público é um concurso anual que convida cidadãos dos 16 Estados Membros da SADC para apresentarem áudios gravados, articulando as suas ideias inovadoras para reforçar a unidade Pan-Africana.

O concurso em estreia irá decorrer de Julho a Agosto de 2022 e para este ano os termos e condições de participação são os seguintes:

CONTEÚDO

1.     Cada submissão deverá ser feita em formato de discurso gravado em áudio, com a duração máxima de 5 minutos, o qual o candidato efectuou perante uma audiência ao vivo de não menos de 10 pessoas.

2.      Cada submissão deverá incluir o texto do discurso gravado.

3.      Cada submissão deverá alinhar-se com o tema “Integração Regional”.

4.      Cada submissão deverá ser efectuada em Inglês ou Francês ou Swahili ou Português.

5.      Cada submissão deverá ser original e inédita.

6.      Cada submissão deverá  ser feita por um único candidato, uma vez que cada candidato será autorizado a submeter apenas uma candidatura.

ELIGIBILIDADE

1.      Podem participar todos os cidadãos da SADC, residentes na região da SADC ou na diáspora.

2.      Cada candidato deverá indicar o país da SADC do qual é cidadão e apresentar uma cópia do Documento de Identificação (B.I) como prova do mesmo.

O PRÉMIO

1.      O vencedor do Prémio Chakwera para Discurso Público receberá um prémio monetário no valor de $4,000.

2.      O vencedor do Prémio será apurado através de uma combinação de pontos acumulados por votação pública, pontos acumulados por um painel de jurados especializados, e pontos acumulados por Sua Excelência o Presidente Chakwera.

DATAS

1.      Submissões: 1 a 30 de Junho de 2022 (prorrogado até 22 de Julho de 2022)

2.      Cerimónia de Entrega do Prémio: Agosto de 2022, durante a cimeira dos Chefes dos Estados da SADC

COMO SUBMETER

Envie a sua submissão para: submissions@chakweraprize.com

Material a enviar.

1.      Um áudio do seu discurso gravado em formato MP3.

2.      Um guião do seu discurso em Times New Roman, tamanho de letra 12 e espaçamento duplo.

3.      Uma fotografia do candidato (a) com a audiência, no momento da realização do discurso.

Outras maravilhas humanas

Oitentanoventa: entrevista com Mbate Pedro

Foi ao ar no dia 26 de Janeiro de 2022, a quarta (e primeira deste ano – 2022) sessão OITENTANOVENTA.

Nesta sessão, Venâncio Calisto conversou com Mbate Pedro.

Mbate Pedro nasceu em Maputo, Moçambique. É autor de vários livros de poemas, com destaque para Minarete de Medos e Outros Poemas (Índico, 2009), Debaixo do Silêncio que Arde (Índico, 2015), Vácuos (Cavalo do Mar, 2017) e Os Crimes Montanhosos (em co-autoria com António Cabrita, Cavalo do Mar, 2018). Com Debaixo do Silêncio que Arde foi agraciado com o Prémio BCI 2016 (para o melhor livro do ano publicado em Moçambique) e com uma menção honrosa do Prémio Glória de Sant’Anna 2015 (Portugal). Vácuos foi finalista do Oceanos 2018, Prémio Literário para os Autores dos Países de Língua Portuguesa. Mbate tem os seus textos (poemas e ensaios) dispersos em várias revistas literárias e jornais e tem colaboração em diversas antologias. Seus trabalhos estão traduzidos para inglês e italiano. É membro da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO).

Sobre o entrevistador:

Venâncio Calisto nasceu em Maputo. É actor e encenador. Escreveu e dirigiu uma dúzia de peças; tendo-se já apresentado no Brasil e em Portugal. É fundador e director das companhias Katchoro e (In)versos. Publicou “O alguidar que chora ou a história das pedras que falam” (Humus, 2021). Participou nas antologias: Contos e crónicas para ler em casa – Volume I (Literatas, 2020) e Idai – marcas em verso e prosa (Gala Gala Edições, 2020). É membro do Movimento literário Kuphaluxa desde 2013 e colaborador permanente da Revista LITERATAS.Colaborou como jornalista cultural no Semanário Savana.Actualmente vive em Portugal, onde frequenta o Mestrado em Teatro, especialização em Teatro e Comunidade na Escola Superior de Teatro e Cinema, IPL. É formado em Teatro pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane. Em 2018 foi distinguido com o prémio de Artes e Cultura da Mozal, na categoria de Teatro.

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Outras maravilhas humanas

Oitentanoventa: entrevista com Luís Carlos Patraquim

Foi ao ar no dia 8 de Dezembro de 2021, a terceira sessão OITENTANOVENTA.

Nesta sessão, Hirondina Joshua e Léo Cote conversaram com Luís Carlos Patraquim.

Luís Carlos Patraquim, jornalista e poeta de créditos firmados, nasceu em Maputo em 1953. Foi co-fundador da Agência de Informação de Moçambique (AIM) e do Instituto Nacional de Cinema (INC) onde exerceu desde 1977 a 1986 a função de roteirista, argumentista, e redactor do jornal cinematográfico “Kuxa Kanema”. Fundou e coordenou a “Gazeta de Arte e Letras” da revista Tempo, em 1984. Da sua vasta obra, assinalam-se , por exemplo, os seguintes projectos: Monção (1980), A Inadiável Viagem (1985), Vinte e tal Novas Formulações e uma Elegia Carnívora (1992), Lidemburgo Blues (1997), O Osso Côncavo e outros poemas (2005) e O deus restante (2017), este último vencedor do Prémio Oceanos (2018). Foi ainda distinguido com o Prémio Nacional de Poesia, Moçambique, em 1995. Patraquim vive em Portugal desde 1986.

Sobre os entrevistadores:

Hirondina Joshua é poeta moçambicana. Faz parte da nova geração de autores moçambicanos, com poemas traduzidos em Italiano. É redactora da revista InComunidade (Portugal) e curadora do projecto literário no Mbenga Artes & Reflexões. Publicou OS ÂNGULOS DA CASA (2016), COMO UM LEVITA À SOMBRA DOS ALTARES (2021) e A ESTRANHEZA FORA DA PÁGINA (Co-autoria com Ana Mafalda Leite, 2021). Foi distinguida com a Menção Honrosa do Premio Mondiale di Poesia Nósside (Itália, 2014). Hirondina Joshua é formada em Direito pela Universidade Eduardo Mondlane.

Léo Sidónio de Jesus Cote nasceu em Maputo. Frequentou o curso de Linguística e Literatura na Universidade Eduardo Mondlane. Foi professor do ensino primário e secundário. Atualmente exerce a profissão de revisor linguístico. Publicou EVA (2021), obra distinguida com a menção honrosa do Prémio INCM/Eugénio Lisboa 2020, EROTICUS: ONZE POEMAS E UMA QUADRA SOB MEDIDA (2020), CARTO POEMAS DE SOL A SAL (2012) e POESIA TOTAL (2013), esta última resultado do prémio literário 10 de novembro do Concelho Municipal da Cidade de Maputo, o qual venceu em 2012.

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