Reviravoltas do Universo

QAWWI – FANZINE DE FICÇÃO ESPECULATIVA – EDIÇÃO 1

Olá Tripulantes,

No ano passado anunciamos a abertura de submissões ao Diário de Uma Qawwi, com o intuito de partilhar com os leitores novas histórias. Esta a é primeira edição da Qawwi, uma fanzine eletrónica onde partilharemos histórias do fantástico e da ficção especulativa.

Nsta edição, apresentamos contos inéditos dos autores Adelino Albano Luís, Ana Charles e Bruno Areno. Eles nos trazem a fábula por detrás do surgimento de arco-íris, a história do Universo e a história de um homem que trocou o seu coração humano por um coração de papel.

Votos de boas leituras.

Um abraço interplanetário,

Virgília Ferrão

Diário de Uma Qawwi

Arcolino Pires

Quando as primeiras gotas timbilaram o chão da nossa aldeia, houve grande alvoroço.

― Está a “chover chuva” ― gritava-se.

As mamanas da aldeia, vestidas apenas de capulanas, saíram das palhotas carregadas de bilhas e seus corpos eram lindamente decalcados pela molha. Em suas bocas saíam as mais antigas e bonitas canções da nossa terra, numa alegria que pertence apenas às mulheres.

As crianças, sem roupa, corriam de um lado para o outro

― Chuva… Chuva… Chuva… ― Gritavam.

Os homens saudavam-se com calorosos abraços. Era o fim de uma espera que se fazia longa. Era o fim daquelas rezas silenciosas com olhares de súplica aos céus. Era o fim dos suspiros de triste esperança, de que

― Há-de vir… Está a procurar o caminho.

Porém, ao cabo de uma semana inteira de chuva que se fazia cada vez mais intensa, com suas trovoadas e relâmpagos que acendiam até o íntimo de cada um, os semblantes assumiram outras fisionomias.

― A água esqueceu-se de parar.

Sofremos tanto com a seca e, agora, é para sofrermos com a chuva?

Começaram a surgir relatos de palhotas, tão bem maticadas, destruídas pelas águas; Currais arrasados: os bois, tão donos de tamanhos, eram arrastados pela fúria das águas; E o pior

― O rio está vindo!

O rio, com a gula das águas, ambicionava outros tamanhos. Invadindo o interior das machambas, casas e o interior das pessoas, como se vasculhasse alguma coisa que lhe pertencia.

Todos nós saímos das nossas casas e fomo-nos abrigar na única casa da aldeia feita com blocos queimados. Dentro dela, no tempero do desespero, começaram a rolar teorias, afinal, em África as desgraças nunca vêm com os seus próprios pés. Havia, certamente, alguma ofensa contra os espíritos.

― Enterraram algum bebé sem cerimónia.

― As traições estão demais ― e acrescentou, ― muito sexo sem nexo.

― Alguém casou sem lobolo.

E muitas outras teorias foram aventadas. Nada poderia ser provado ou, até lá, já teríamos sido varridos pelas águas.

― Eu tenho a solução.

Quem? O louco? Quando até aos loucos é concedida palavra, é porque a situação é mesmo de desespero.

Todos olharam para ele como se portasse uma mensagem divina. Os olhos eram de renovada esperança, como se o facto de ter sido louco a vida inteira fosse para nos salvar daquelas águas e daquele rio que se aproximava. Não é verdade que todos os Messias do mundo sempre foram vistos como loucos? Por que com o Arcolino Pires seria diferente?

― Temos de varrer as águas. ― Disse, justificando assim a vassoura de palha que tinha nas mãos, até então ignorada por todos.

― Acho que lááááá nos comandos se descomandou. Precisamos varrer as águas e deixar alguém de guarda para isto não voltar a acontecer.

Falava com tal convicção que parecia uma solução óbvia. Mas só para ele. Para nós era claro: estávamos diante da nossa morte e ninguém nos poderia salvar.

Os olhares, desde as crianças aos velhos, transmitiam o mesmo medo, preocupação e desilusão. Afinal, toda morte é sempre prematura.

― Eu vou, verão o meu sinal nos céus. ― Era, uma vez mais, o Arcolino Pires.

Alguém, sem sucesso, tentou agarrá-lo para que não saísse da palhota onde nos havíamos acumulado. Era a casa mais bem construída da aldeia e seria a última a desabar.

Lá fora as chuvas continuaram intensas, com seus raios e trovoadas. Mais uma vez soou a frase:

― Sofremos tanto com a seca e, agora, vamos morrer com as águas.

Os velhos entreolhavam-se, tristonhos. Nem mesmo a lembrança dos tempos de estômagos e celeiros fartos, os podia consolar. Nesses tempos em que se bebia para celebrar a vida e se somava mulheres e mais mulheres, pois, naquela zona, isto era sinónimo de riqueza. Depois veio o tempo de seca severa. E as cerimónias sucederam-se: primeiro na pequena igreja de caniço deixada pelos missionários e, depois, nas sombras das árvores sagradas. Insatisfeitos com a demora da resposta, levamos os batuques, rezas e canções cerimoniais para o mais próximo possível dos ouvidos dos nossos antepassados: o cemitério tradicional. E lá a aguardente era quase um suborno: despejávamos umas gotas em cima das campas e dizíamos:

― Mandem chuva que nós damos mais nipa.

Tudo isto eram formas de namorá-los para ver se aceitavam enviar algumas gotas de chuva.

― Já nem precisam ser gordas… bastam que sejam gotinhas, meros pingos.

Desses que só servem para mostrar que ainda não se esqueceram de nós. Os céus, porém, respondiam com mais calor e, com ele, a fome e a miséria.

A seca foi tão severa que as pessoas desenterravam as sementes nas machambas, já murchas, para pôr nas panelas. Outros morreram por colocar na panela raízes incomestíveis, dessas que só são visíveis aos olhos da fome. É como diz o ditado: O que mata não engorda… ou será o contrário? Bom, eu…

― A água está ireeeee!…― Gritou alguém, para o silêncio dos que já se tinham adiantado para os choros.

Admirados, saímos da casa e tudo a volta tinha virado uma planície, pasto das águas. Mas é como diz Isaú Meneses, cantor largamente admirado naquela aldeia:

― Enquanto haver vida, há esperança[1].

Mas o que nos chamou mais a atenção foi o que estava pendurado nos céus, como se alguém, com uma grande vassoura, tivesse varrido as nuvens em formato de um arco com diversas cores. Era o sinal. Não havia dúvida:

― Foi obra de Arcolino Pires… Ele salvou-nos …disse que mandaria um sinal…

Gratos, saímos pelas aldeias vizinhas espalhando o feito do Arcolino Pires, o nosso salvador. E a informação voou.

Da boca do povo, porém, e com o tempo, Arcolino Pires começou a ser chamado de Arco-íris. Para nós não importa, desde que, após as chuvas, olhem para o sinal nos céus e saibam que tem alguém de guarda, cuidando de nós, impedindo que as águas nos devorem.


[1] Isaú Meneses, esperança. Álbum esperança. 1999.

Por Adelino Albano Luís

Adelino Albano Luís nasceu em 1998 em Chimoio. Licenciado em Filosofia pela UEM. É autor da obra ″Cronicontos da Cabeça do Velho″ (2022), prémio literário Calane da Silva ⁄ Alcance Editores (4ª edição- 2021). Conquistou o primeiro lugar do concurso de Crónicas da 1ª edição da Feira de Livros da Beira (2021); Conquistou o primeiro lugar do concurso literário Dia mundial da Língua Portuguesa: estórias pandémicas e foi finalista do prémio fundação Fernando Leite Couto (2022), com a obra Estórias trazidas pela Ventania. Participou em algumas antologias, com destaque para ″Espíritos Quânticos: uma jornada por histórias de África em ficção especulativa-Diário de uma Qawwi (2022) com o conto ″O Caçador de Elefantes″

O Mundo Distante em Nós

Quando a criação estava pronta, o SENHOR do Universo disse para a SUA companheira e seus descendentes imediatos: Façamos, agora, no planeta Terra, um Ser à nossa imagem e semelhança!

Como assim, o Homem não foi o primeiro a Ser criado por Deus? Já existiam outros planetas antes de Terra? Há quanto tempo?

Há mais de 40 milhões de anos o Arcanjo Miguel foi enviado à Lamúria para preparar o planeta Terra para um novo Ser que o habitaria, o Homem. Antes disso, Lamúria era somente habitada por seres hominídeos que nunca saíam das cavernas.

E onde andam esses hominídeos?

Ainda vivem nas cavernas. Mas, antes, deixe-me continuar a história.

O SENHOR do Universo vendo, através da SUA imaginação, que a VIDA para além dele seria fantástica, projectou, a partir da SUA mente, uma companheira para o seu lado oposto, de forma a complementá-lo. Tendo gostado dessa projecção, amou-a profundamente com o seu Espírito Puro e Invisível. Vendo que a VIDA dos dois era maravilhosa, o SENHOR enviou a SUA Centelha Divina para a SUA companheira, que concebeu o SEU UNIGÊNITO. ESTE possuía as mesmas caracteristicas dos seus progenitores.

Vendo ELES que o que criavam e projectavam através da sua mente era bom, decidiram projectar outros seres com espírito puro, que pudessem fazer companhia ao UNIGÊNITO, na nona dimensão.

Esses seres são aqueles que nós conhecemos como Anjos. Arcanjo Uriel, Gabriel, Miguel e Rafael são os mais conhecidos.

Mas existe, também, o Lúcifer, que dizem ser o Anjo mau!

Sim, é verdade, mas isso é assunto para outro dia. Hoje eu quero-me debruçar sobre o papel destes 4 anjos que mencionei,especificamente sobre o papel do Arcanjo Miguel.

Este anjo, além de ter um papel de liderança na protecção dos Portais Divinos, tem, também, o papel de liderança na criação e protecção dos novos mundos.

É por isso que a ele foi designada a tarefa de preparar o Planeta Terra para a recepção de um novo Ser: o Homem.

O Homem foi projectado nos céus e trazido para a Terra assim que o Arcanjo Miguel criou todas as condições para que o novo Ser nela habitasse.

Os pretinhos são os nossos ancestrais, eles foram os primeiros a viver em África. São os pais dos lemurianos. Os lemurianos eram homens belos, altos, atléticos e donos de uma inteligência sublime. Eles dominavam a tecnologia 5D e tinham a capacidade de se transmutar para diferentes formas físicas e de se deslocarem entre 2 dimensões diferentes ao mesmo tempo. Dominavam a matemática, a física quântica e a genética.

Depois de muitos milhões de anos transformando o planeta Terra naquilo que hoje é, eles começaram a ficar, por um lado, aborrecidos com a mesmice em que viviam e, por outro, arrogantes. Assim, começaram a desafiar as Leis Universais fazendo experimentos com outros seres humanos e não humanos através da manipulação genética.

Vendo que isso era desastroso para o projecto desenhado para o Homem, o SENHOR decidiu afundar a Lemúria depois de escolher uma família que, apesar de todos os poderes, nunca tinha agido contra as Leis Universais.

̶  Noé é a família?

̶  Ai como és esperto, sim! 

̶  Noé foi o escolhido, por isso, graças à sua boa índole, hoje existimos.

̶  Tenho a impressão de que nós e os lemurianos somos parentes.

̶  Por quê?  ̶  Quis saber, entre risos.

̶ Veja, como eles, somos inteligentes, ambiciosos, egocêntricos e gostamos de manipular geneticamente.

̶  Pois! É verdade e preocupante!

Depois da Lemúria veio a Atlantis. Depois da Atlantis veio a Amafrica, em que os índios, celtas, egípcios, maias, aborígenes viveram (e ainda vivem índios, egípcios e aborígenes).

̶  E os aborígenes são mesmo gente?

̶  Que pergunta! Claro que o são. Por que fazes essa pergunta?

̶ Porque num grande relatório que os ingleses fizeram para a rainha deles, eles afirmaram categoricamente que a Austrália era uma terra linda que parecia um paraíso. Com plantas lindas, animais exóticos e com uma paisagem como um conto de fadas, mas sem nenhum ser humano!

̶ Olha, é óbvio que esse relato não contou toda a verdade, pois os aborígenes são pessoas que ainda existem um pouco por toda a Austrália. Basta lá ires que os verás. É verdade que constituem cerca de 1.8% do total da população australiana, mas existem.

̶  E a Telos, será que existiu mesmo?

̶  Áh, a Telos…a telos não existiu, EXISTE.

̶  Existe? Como assim, como podes afirmar com tanta certeza? Se existe, onde ela está?

̶ Sim, a Telos existe, existe em todo lado, no mundo subterrâneo, debaixo de cada montanha com formato de animal, planta ou Homem.

̶  A sério? Então quer dizer que debaixo do Monte Mtuquê em Cuamba, da Cabeça do Velho em Chimoio, Ayers Rock na Austrália ou Montanhas Azuis em Montana está a Telos?

̶  Bingo!

̶  Uau! Então me explica, o que é a Telos?

̶  Lembra que te falei dos hominídeos?

̶  Sim.

̶  Pois, eles habitam a Telos, junto de seres angelicais, numa sociedade tão avançadaque a nossa mente humana, tal como a conhecemos, não consegue alcançar. Veja que nós ainda vivemos e concebemos o mundo na 3ª dimensão, mas a Telos já está na 5ª dimensão. Mesmo estando aqui no planeta Terra, os povos que lá habitam tem um sentido de cooperação e colaboração tão grande que nada falta a ninguém. Todos têm o que precisam, todos são felizes e vivem uma vida alegre, de riqueza e de prosperidade. Tudo baseado no AMOR incondicional e regidos por uma Lei e Ordem que agrada a todos.

̶  Deve ser o Paraíso.

̶  É sim, o Paraíso.

̶  Me conta mais avô, como fazemos para viver nesse paraíso?

̶  Ah menino isso é para ser contado na próxima roda à volta da fogueira… e só trazeres uma garrafa do melhor vinho tinto que há.

̶  Então esse é o acordo? Uma garrafa do melhor vinho tinto por uma história?

̶  É sim.

 ̶  Combinado!

̶  Combinado.

Por Ana Charles

Ana Francisco Charles, conhecida por Anita # Mai Nkulo nos meandros da família, adopta o cognome de Mai Patti, nome dado pela sua mãe desde pequena pela sua forma despreocupada de andar. Nasceu na Vila de Manica no ano de 1966. O seu gosto pelas letras vem desde a tenra idade de 4 anos quando no lugar de brincar com bonecas preferia ler livros como a colecção de aventuras de Anita e mais tarde romances de Corin Telado. Depois disso o seu gosto pela leitura só cresceu e estando no ensino secundário teve a oportunidade de escrever e publicar alguns poemas no Diário da Beira. Profissionalmente, é mais conhecida por Ana Charles, Médica Generalista com especialidade em Saúde Publica pela Universidade Eduardo Mondlane. Com Mestrado em Saúde Publica na área de Promoção para a Saúde pela Universidade de Queensland na Austrália. Adora viajar e fazer passeios longos na natureza. Fazer viagens internacionais principalmente para países onde o clima é seco e frio e interagir com povos e culturas diferentes é algo que a encanta muito. Aprecia paisagens montanhosas e a vida no campo. A ajuda ao próximo é algo que pratica com regularidade através de pequenos gestos como doações regulares a instituições de caridade como centro de apoio à velhice, igrejas ou centros de refugiados. Mãe de 5 filhos, Ana tem uma filha biológica e 4 enteados, avó de 3 meninas e 1 menino.

Coração de papelão

Nascera num país não apropriado. Não passava de um Zé ninguém. Sem estatuto social. Adalberto era uma grande aberração aos olhos de quem o via. Ninguém se dava ao trabalho de cumprimentá-lo. Seu problema: ser cauteloso demais. Talvez, demasiado amoroso, atencioso e paciente num mundo que era urgente. Na verdade, Adalberto era o único homem que nutria temor na cidade-sem-medo. Estudava o inimigo e conhecia as suas fraquezas.  E isso ia contra a lei daquela cidade. As pessoas da cidade-sem-medo não eram cautelosas.

Quando se recrutavam jovens para os campos de batalha, Adalberto era sempre ignorado.

— Precisamos de homens não inteligentes, mas sem medo, e tu, jovem, és a personificação do medo — Diziam em gargalhadas, todas a vez que o jovem homem se candidatava.

Numa dessas manhãs de recrutamento, Adalberto insistiu tanto que venceu. “Milagre”, pensou ele, deixando escapar um sorriso vitorioso. A sua velha mãe, que jamais sentira medo na vida, ficou felicíssima. Aqueles olhos que outrora se viram melancólicos, ganharam vida.

— Finalmente o meu filho perdera o medo, tornar-se-á comum, assim como nós — Dizia ela alegre enquanto os militares tiravam o jovem aos empurrões de dentro da sua casa. A mãe derramou nenhuma lágrima, afinal, não possuía medo algum, muito menos previa os possíveis riscos que o filho correria no campo de batalha. Estava Felicíssima, pois não mais seria a maior aberração entre as amigas. A velha saiu de casa gritando aos ventos: O meu filho finalmente perdeu o medo!

Depois de uma semana, um general bate à porta da velha, e ela fica pasma:

— O que significa isso?— pergunta endireitando os óculos, prestes a tombarem sobre o chão húmido.

— Sinto muito, Senhora— responde o general aborrecido. — Esse filho que a Senhora tem é um pau torto e torto morrerá. O temor sobre o seu Ser é tanto que passava horas a tentar estudar o inimigo— Fixou os olhos nos da velha e acresceu — Ele diz que é necessário estudar o inimigo para conhecer as suas fraquezas. Ele ainda disse que devemos ter medo, medo de perder a nossa nação, a nossa cultura, o nosso povo. Fique com ele.

O general empurra-o de volta para os braços da progenitora.

A velha ficou ali, perplexa, imóvel. Aqueles sentimentos ataram-lhe o corpo. Virou-se para o filho:

— Essa cabeça que não regula, não te vai ajudar. Ninguém te quer por perto. Mas também quem te iria querer? És muito cauteloso, fazes as coisas, pois fazes, mas só depois de muito ponderares. Tenha coragem, filho, faça-o de olhos fechados, Adalberto! — Dizia a velha— Aja por instinto, assim como os grandes animais ferozes.

Passado alguns dias, Adalberto sai a rua. Com os olhos presos no chão, escuta murmúrios e insultos ao vento. Afinal, jamais alguém tinha sido expulso do campo de batalha por medo. Muitos morriam. Nem metade deles voltava à casa. Exausto de semear os olhos sobre a terra, Adalberto ergueu o rosto. Mas, de imediato, encolheu-se, embaraçado. Não era medo dos falatórios do povo, mas sim do seu próprio coração. Encantara-se com a mulher diante de si. Estava apaixonado, ela acabara de roubar-lhe o coração.

Pensara em falar-lhe dos seus sentimentos naquele mesmo instante, mas preferiu aguardar e entender melhor o sentimento que o cativara.

Depois de semanas, vai ao encontro da mulher, exprime o seu interesse, mas ela desafia-o, dizendo que só o aceitará depois que perder o medo.

Cabisbaixo, Adalberto faz-se a rua, e quando decide erguer os olhos para contemplar a cidade que dele tem nojo, nota uma oficina. No interior, por detrás do balcão, está um idoso, de óculos com grandes lentes e mal de tossir.

— O que o senhor trouxe para que eu concerte?— questionou o velho, acendendo um cigarro.

— O meu coração.

— Ah!— exclamou o velho— Teria que o deixar comigo por alguns dias.

— Mas eu não posso viver sem um coração— respondeu Adalberto.

O velho direccionou-se para um armário alto e de lá tirou um coração de papel. Entregou-o a Adalberto, dizendo:

— Use-o enquanto conserto o seu.

— Funciona perfeitamente? É igual aos demais?

— É um coração de papel.

Da oficina, Adalberto saiu com um coração de papel novinho em folha. E já não era o mesmo. Dali em diante, passou a ser igual aos outros. Já não tinha interesse na mulher que vira na rua. Interessava-se por todas que via passar. Fora-se a cautela. Passara a ser violento. Metia-se em brigas nas ruas, roubava e ninguém o criticava. Afinal, era igual a todos.

Um dia passou em frente da oficina. Decidiu entrar.

— Deixei um coração aqui, há anos.

— Prontos, não se preocupe, lembro-me perfeitamente de si. — O homem retirou do armário um coração coberto por um pano branco.

— Consertou?

— Não. — Respondeu o velho ajeitando os óculos.

Adalberto sentou-se na poltrona da oficina e suspirou profundamente.

— O desconserto deve ser maior.

— Nunca vi em toda minha vida, um coração tão perfeito, tão completo feito este. Ele não requer um reparo — Explicou o velho estendendo-lhe o coração. Adalberto recusou-o.

— Para o senhor talvez seja perfeito, mas para mim e para a minha gente esse coração só traz decepções, desigualdades e prejuízos. Para o povo, o coração de papel, esse sim é perfeito.

Levanta-se da poltrona e diz:

— Gostou do coração? Fique com ele, eu ficarei com o de papel.

— Mas não existe, Senhor, coração tão perfeito quanto o seu!— Insistiu o idoso desesperado. Adalberto aproximou-se do velho, agarrou-lhe as mãos trémulas e disse:

— Já lhe disse: para este país, para esta gente, esse coração não está bom. Gostou? Fique com ele. O coração de papel, sim, é perfeito.

Por Bruno Marquês Areno

Bruno Marquês Areno, nascido em Nampula, é autor de “Fotografias Feitas à Letras” e co-autor de livros como “O Estrangeiro”; “Olhares Negros”; “Poesia Brasileira”; “Água”; “Poemas do Eu”; “Alma de Mar”, entre outros.

Resenhas

Textos da Antologia “Espíritos Quânticos” traduzidos para Eslovaco

Caros Leitores Terráqueos,

No dia 22 de Setembro de 2022, foi publicada a terceira edição da revista Verzia.

A revista Verzia publica na Eslováquia traduções de literatura contemporânea de todo o mundo e esta sua terceira edição é centrada na literatura fantástica/ficção especulativa escrita em português. A compilação das histórias esteve a cargo de Lucia Halová, Silvia Slaničková e Lenka Cinková.

Segundo Lucia Halová, que assina a nota editorial desta edição, encontrar ficção especulativa escrita em português foi uma aventura. As grandes livrarias online de Portugal e do Brasil oferecem principalmente livros deste género traduzidos e não obras produzidas localmente, razão pela qual foi extremamente difícil encontrá-los. Entretanto, na busca de obras portuguesas, Lenka Cinková foi ao terreno e pesquisou directamente nas livrarias em Lisboa, onde frequentemente perguntava se havia alguma obra local deste género. Descobriu assim, que não só estavam obras a ser publicadas, como várias conferências sobre ficção especulativa estavam a ser organizadas naquele país. A Verzia efectuou mais tarde, contacto com a editora portuguesa Divergência, especializada neste tipo de ficção.

A pesquisa da Verzia levou ainda a descoberta do movimento Afrofuturismo, um movimento abordado nesta edição por Waldson Sousa, escritor brasileiro e um dos principais expoentes da literatura afrofuturista no Brasil.

Por fim, a busca sobre a ficção especulativa nos países africanos de língua portuguesa, conduziu a Verzia ao Diário de Uma Qawwi e à chamada de publicação para a antologia Espíritos Quânticos: Uma Jornada por Histórias de África em Ficção Especulativa.

Para o Diário de Uma Qawwi, foi uma honra receber o contacto da Verzia. Durante o processo, o Diário de Uma Qawwi partilhou com a revista o conjunto de textos da antologia, dos quais, três foram seleccionados para a tradução e integração na edição da revista.

Desta forma, no seu todo, a terceira edição da Verzia engloba contos traduzidos de português para eslovaco, de autores de Portugal, Brasil e de Moçambique, incluindo, entre outros, os autores Julia Durand, Waldson Sousa, Nikelen Witter, Mia Couto, Suleiman Cassamo e Virgília Ferrão. Cada conto tem uma ilustração desenhada para a história e estas belíssimas ilustrações foram feitas pela talentosíssima artista eslovaca Kamila Kuricová.

Ilustração de Kamila Kuricová

Conto: “O dia em que Fabião foi engolido por uma caixa automática”, do escritor Suleiman Cassamo, traduzido por Jana Benková Marcelliová.

Os textos de cada país são acompanhados por artigos introdutórios sobre a ficção especulativa nesse país, sendo que o ensaio sobre a ficção especulativa produzida nos países africanos de língua portuguesa, foi escrito por José dos Remédios e traduzido por Zuzana Greksáková.

Por fim, a edição conta com uma secção de recomendações de tradutores tradicionais, onde o leitor pode saber não apenas sobre novos livros, como também sobre o processo da tradução destes textos.

Confira e compre a edição AQUI.

Desabafo de uma qawwi

#Inédito# Partículas de Tamarino

Narrado por Lindiwe

De vez em quando é preciso recuar, parar o ponteiro, por forma a fazer o relógio seguir. É o que sempre dizia o meu  avô. Hoje, a pressão de descontinuar, desandar, voltar a sentir, não é apenas esmagadora. É real.

– Então? Se pudesses revisitar alguma época, qual escolherias? – pergunta-me Linan.

Não titubeio.

– Maputo, anos 90, alvoroço das primeiras eleições multipartidárias, minha juventude, baixa da cidade, por favor.

– Ok, Lindiwe! Dá-me o braço. De resto, sabes o que fazer.

Respiro fundo. Estou curiosa para saber se de facto, estas tais partículas de lua verde de tamarino vão funcionar em mim, mera mortal. Medo. Este não me falta. Nem sequer razões. Linan foi muito específica quanto ao mecanismo desta sua tecnologia, porém, o meu intuito é desobedecer.

Seja como for, fecho os olhos, conecto-me ao aparelho e permito que ela esfregue no meu braço o pó prateado. Num instante, mergulho no escuro. E num clic, divido-me.

Sou duas dentro de mim. Sou ontem e amanhã. Estou sólida e gasosa, tanto quanto verde e madura. A minha pele rejuvenescida, as mirabas novinhas, as lágrimas nos olhos apertados, brilham no espelho do meu quarto de outrora. Mas a minha metade, a gémea nunca nascida, que mira a outra no espelho, já traz consigo as marcas e a confiança cobrada pelos anos. Tem características de uma mulher que amadureceu.

Limpo as lágrimas. Afinal de contas, elas pertencem à outra Lindiwe, a Lindiwe jovem, dos anos 90, que chorava por tudo e por nada. Que venerava o drama doce-amargo próprio da idade.

A melancólica “end of the road” chega ao fim e o gravador dispara. Teria de me inclinar sob a cómoda empoeirada, para virar a cassete para o lado B. Mas apenas me rio. A outra metade de mim já conhece a era digital. Desaprendeu a manusear fitas de cassete.

Um telefone em madeira e metal desperta no corredor. Trim trim. Parecem ecos medonhos que querem assombar. E o sentimento de pavor repete-se, no passado, no presente. Trim trim. Como dois consecutivos golpes na alma. Trim Trim.

Abro a porta, sabendo perfeitamente o que vai acontecer: o meu pai aproxima-se do telefone e levanta o auscultador:

– Alô! Sim? Quem quer falar? Fatinha está muito ocupada, não pode vir ao telefone. Aconselho a não telefonar mais!

O telefone tomba no gancho.

Trim trim.

– Olhe menina, já não lhe avisei para parar de telefonar? A Lindiwe não pode fazer mais parte do grupo. Não, não podes falar com ela, nem por três minutos, nem por três segundos! Certíssimo!

O telefone volta a tombar no gancho.

“Pai, por favor, a Ana apenas quer despedir-se, ela vai-se embora da cidade”.

Tu não vais manter amizade com essa moça, Lindiwe! E enquanto estiveres debaixo deste tecto, terás de obedecer-me!

Teria sido assim a conversa que se seguiria entre mim e o meu pai. Mas as palavras já não existem dentro de mim. Tenho pressa, preciso mudar o rumo dos cometas. Decido não enfrentar o meu pai
e deix-o afastar-se, com o corpo pejado de fortes convicções.

As memórias queimam na minha pele. Pois que naquela noite, eu ainda não sabia que um dia seria adulta, livre. Apenas conhecia o desespero. Apenas sabia-me presa aos desígnios de ter nascido
mulher. Ainda que Pedrito fosse mais novo, era ele quem dava as ordens. Não podia passear se ao mano mais novo não apetecesse acompanhar-me. Naquela altura eu era tida por um animal indomesticado, por gostar tanto de cuba libre, de sair com as amigas e de amanhecer a dançar.

O meu braço comicha, o efeito das partículas de tamarino está a terminar e o meu tempo de viagem a esgotar-se. O peito se me dilata.  Espreito pela janela do quarto. Lá está, o menino da barraca! Continua naquela praça, vendendo sonhos, amendoins e matoritori, entre as luzes intermitentes, no pulsar da noite que parece estar somente a acordar. Era sempre assim, especialmente às Sextas, quando o “tumbai” jorrava das colunas do minigolfe e sacudia as saias das moças que trepavam grades para irem às escondidas, abanar os corpos na famigerada boate.

O meu coração bate mais depressa. Não tarda para Inilda, Ana e Matilde estacionarem. Naquela noite, naquele exacto minuto, a outra Lindiwe estaria a vestir as suas boca de sino verdes, os
tacões favoritos, pintando os lábios de vermelho e metendo uns quantos quilos de audácia na bolsa, para mais uma aventura com as amigas. Não desta vez.

Ouço a buzina prolongada e reconheço o código.

Com o medo a escorrer-me pelos dedos da alma, avento-me no ar gelado e apresso-me ao carro. Ao contrário do que fiz no passado, detenho-me somente à janela.

– Meninas, devem todas voltar para casa, agora mesmo!

– Mas Lindiwe…

– É importante, Ana! Se formos à festa… uma de nós vai, vai…o resto da locução perde-se no vácuo dos meus próprios múrmuros.

Pasma, a minha amiga de outrora desce do carro.

– Isso tudo é por causa dos teus cotas? É a minha despedida, sabes que tão depressa não volto para Maputo, não sabes?

Ana não fazia a remota ideia. Nem poderia.

– É por querer ver-te bem, minha amiga! Tudo vai…

Não consigo completar a frase, pois o mundo esvanece numa neblina fresca, a medida em que os carros, o luar e a alegre cidade desaparecem num rodopio para dentro do impiedoso tempo. Os ponteiros seguem. Sonoros tic tac, tic tac, anunciando o meu presente. As pálpebras pesam quando abro os olhos. A minha blusa cola-se-me ao peito de tão encharcada. Pouco reconheço ao meu redor. Somente ela, Linan.

– Onde estamos?

– É a tua casa, Lindiwe. Como é que foi a viagem?

Percorro atabalhoadamente tudo em que esbarro, até encontrar um telemóvel. O meu.

– Linan! – balbucio vasculhando a vasta lista de contactos – acho que consegui! – já ouço o longínquo toque conectando o número de Ana. A voz do outro lado, que quase nada mudou nos últimos anos, confirma-me o impossível. Arranca-me sem freio uma lágrima.

– Ela está viva, Linan – anuncio – A Ana vive! O acidente não aconteceu! O meu passado é outro!

– Hey, calma ai – Linan parece estarrecida – eu disse-te para teres cuidado. Não é assim que as partículas funcionam… elas…

– Shiu, Linan! – enfio-me depressa num casacão grande – está tudo perfeito! Sou-te tão grata! Vamos sair, para comemorar?

Source Image: DigitalArtInspiration

Cantinho da Qawwi

Um conto de (a tale by) Mélio Tinga

“Era um miserável, um pobre apaixonado atrapalhado. Basmeu de Castro Luis nunca antes se vira controlado por um amor tão ardente. A moça pisava o chão com serenidade, a luz do sol transformava-a em flor agigantada no meio de tantas outras. Basmeu apaixonara-se ao vê-la passar repetidas vezes. Certa feita, viu-a passar de um vestido que lhe roçava os joelhos, viam-se as coxas lisas e claras com o ecoar leve do vento de final de tarde.”

“He was a miserable, poor fumbling lover. Basmeu de Castro Luis had never found himself dominated by such passionate love. The girl stepped coolly on the ground, the sunlight changing her into a giant flower among so many others. Basmeu had fallen in love with her when he saw her passing by, again and again. On one occasion, he saw her walk by in a dress that brushed her knees, her smooth, clear thighs visible with the light echo of the late afternoon wind.”

Passagem de “O Pobre e os seus amores”, conto de Mélio Tinga. Leia este e outros contos em “O Voo dos Fantasmas”,

                                                                Livro Publicado pela Ethale Publishing, 2018

Desabafo de uma qawwi

#37 | De volta ao começo (última parte)

– Teste, um, dois – repito.

Primo o botão, a pontinha de luz vermelha do gravador cede.

– Tão rudimentar… achas que vai funcionar, Linan?

– Confio que sim, deste-lhe um jeito, tem de funcionar.

Volto a clicar o botão e ouço a minha voz repercutir pelo aparelho. Avanço com a gravação, deixando registada a mensagem:

Olá. O meu nome é Linan. Se este aparelho e o meu diário foram parar às suas mãos, significa que de alguma forma, perdi-me do meu caminho. Por favor, ajude-me a reencontrar-me. Tudo o que você vai ler é real. Foi o meu dia a dia, durante a passagem por esta terra. Poderia ter sido uma visita breve, não fosse a mutação, os vícios do corpo e da alma de humana, alongarem a jornada.

Deixe-me esclarecer: sou do reino de Stefanotis, que orbita numa dimensão distante desta. Tenho a pele trigueira, cabelo negro como o carvão vivo, que favorece os meus olhos azuis florescentes. Pareço bastante com você, ou seja, tenho o aspecto de um humano. Se estivermos no mesmo mundo, e caso esbarre comigo, ajude-me. Quem sabe você veja as coisas com mais clareza do que eu fui capaz. E caso me encontre, acorde-me, faça-me recordar. Disso depende, muito provavelmente, a esperança de toda a humanidade. Obrigada.

Vallen olha para mim, e num gesto inesperado, dá-me a mão. Afinal, só temo-nos um ao outro. E os inimigos também se abraçam.

– Será que vai ser doloroso?

– Espero que não.

Esfregamos as particulas de tamarino nos nossos pulsos. Pensamos no começo. Soltamo-nos da terra.

Mas a terra, no seu vazio, torna-se mais negra que o luto do meu peito. Isto não é o meu planeta. Mas também não é a terra.

– Acorda Linan!

Estou acordada. Mas não sei o que vejo ao redor, estas telas, estas velozes estrelas.

– Passaste da conta – continua a mesma voz, assustadoramente familiar.

Estico-me. E deparo-me comigo mesma. Sou ambas.

– Sim, eu sou tu. Deixa-me reorientar-te para que te reencontres Linan… tens de regressar.

– Um minuto – a minha mão trava-se no acelerado teclado flutuante  – avancei? Avancei quanto tempo?

– Pelo menos um ano, Linan.

A minha mente guina com a mesma força de um meteorito, à medida que o resultado matemático desliza da minha boca, arrancando-me da suspensão. Aterro em frente à uma das telas.

– Um ano? Significa… oh! 30 anos do planeta terra?

– Precisamente.

– A esta altura, estarei atrasada?

– A esta altura já quase nada sobra.

Engulo em seco.

– Posso?

– O quê?

– Ver o que resta?

Ela observa furtivamente as telas.

– Compreendes, Linan, que tens de reorientar-te dentro desta janela, se não corres perigo de vida?

– Compreendo, mas preciso saber.

Deixo os meus dedos manejarem freneticamente o ecrã de uma das telas. Os meus olhos inundam-se de lágrimas, da força impetuosa que brota do meu peito ao ver a terra. A satisfação é tanta que o sorriso transfigura-se num desproporcional esgar.

– Eles venceram!

Os humanos. Estão felizes. Não há nuvens escuras pelos ares. Os mares são azuis como o céu. Eles se abraçam, sem discriminação. Todos eles. Descobriram que o amor não é só uma palavra, ou um sentimento. Descobriram que há uma razão para ele existir. Finalmente, os qlubs estão equilibrados! A minha outra eu aproxima-se, com as mãos escondias por detrás das costas, sugerindo que algo está a escapar-me.

-Lembras-te quando Vallen disse, Linan? Que existem duas variáveis? Pois, ele estava certo. Esta variável foi salva por antecipação. 30 anos atrás. Na dor, expostos diante das suas próprias fracturas, os seres humanos transformaram-se para melhor.

– Então porque é que disseste que não sobrou nada?

A tristeza que emana dela, estranhamente, é minha.

– Olha com atenção.

Ela desliza o dedo na tela, para que eu veja o que até então me estava a passar. Não são precisos mais de cinco minutos para que uma onda de terror atinja-me em cheio.

– O que é isto?

– Planeta Terra.

– Mas… parecem frívolos ikras?

– Esta é a dimensão de que Vallen falava.

– Como assim?

– Numa outra versão de si próprios, os humanos não aprenderam nada. Trinta anos atrás, perderam a oportunidade. Seus conceitos bélicos, egocêntricos e separatistas foram exacerbados. E isto abriu as portas para o que Kosi queria, o pior cenário… que é…

– Não digas mais – murmuro. É como se acabasse de receber uma bofetada.

De que lado a minha família ficou? Do lado dos humanos que havia aprendido, ou do lado dos que tão somente havia piorado?

– Reorienta-me, por favor, de volta ao começo!

– Estás preparada? Para começar do zero? Toda esta conversa, tudo o que viveste…

– Estou pronta.

– Ok. Então… até um dia.

Desabafo de uma qawwi

#36 | De volta ao começo: duas dimensões

Sempre soube que haveria um preço alto, e uma consequência, pela escolha que fiz. A cobrança chegou. Os meus bolsos, porém, quedam-se vazios. Não sou capaz de pagar.

Para esta terra, Will está morto. Onde ficam os discursos, sobre a morte não ser definitiva, sobre a possibilidade de ele estar a ir, neste exacto momento, ao meu planeta? Arrastam-se aos confins da minha dor. Aceitar que Will está a fazer a transição, implicaria dar por terminado o nosso amor. Como posso fazê-lo, se ainda o amo? Como aceitar que os humanos vivem tão pouco, quando eu quero continuar a estar com ele?

– Tens de te concentrar, Linan, não sejas egoísta! Ele está a atravessar…

Viro-me com brusquidão, como se tivessem disparado gases lacrimogéneos com o efeito oposto, deixando-me agitada. Aquela voz e figura que surgem no escuro, que dissipa a multidão, ignora e sempre ignorará o que eu sou, o que eu me tornei.

– Não sabes do que falas, Vallen! E se ele estiver a ser levado por rapadores…? – as frases saem-me pela metade, entrecortadas à lamina do meu frio e magoado coração.

– Achas que o teu queridinho é o tipo de humano que não será encontrado por um vigilante, Linan? – ele segura-me firme pelos punhos, e de seguida estica a mão, para mostrar-me um saco com conteúdo familiar, muito brilhante. O meu peito comprime, a testa pinga, e sinto a venda cair dos meus olhos.

– Usaste as partículas de tamarino com Will!

Os lapsos de memórias. A variação do seu humor. Agora compreendo. Will sabia o que ia acontecer. Protegera-me. Como ousara abandonar-me, sozinha, no seu planeta?

– Retribui esse sacrifíci,o Linan – a voz de Vallen parece distante – salva este povo, regressa comigo.

– Regressar? De que falas?

– A única forma de salvá-lo, é cumprires a tua missão. E tu falhaste. Ambos falhamos. Caímos na dimensão errada. Esta não é a terra de Selénio. Existem duas dimensões, e esta dimensão Linan…

Duas dimensões? Inúmeras hipóteses brotam na minha cabeça, mas este fracasso gigante, esta perda estrondosa, formam um quadro horripilante, uma competição de desastres com as quais não consigo lidar.

– Rei Selénio nunca falou de…

– Lembra-te bem de quem és, Linan!

“Trago uma humana dentro de mim, Vallen, que passou a amar estas pessoas, não suporto ter que perdê-las, não posso!” teria dito, não estivessem as palavras entaladas.

– E é por isso que vais comigo – prossegue Vallen. – Regressa comigo até o princípio.

Finalmente reajo:

– O que queres dizer com princípio?

– Antes da queda.

– Antes da… queda? – repito. O meu sangue congela. Fazer uma viagem tão longa no espaço temporal tem sérios impactos. Tão sérios que não me sinto capaz de arcá-los.

– Não me peças isso.

Anular tudo? Arriscar-me a esquecer-me por completo? Perder-me no oblívio? Como posso esquecer-me que um dia tornei-me humana? Que gerava um ser dentro de mim, o qual já era amado? Como posso renegar o amor por eles, pelos meus amigos, por esta terra? Se não podia estar com Will, queria pelo menos contentar-me com as memórias. Estes humanos são sagrados moradores do meu coração, como posso, simplesmente, apagá-los? Não existe um só momento que valha a pena ser anulado, nenhum.

– Não há outra forma, Linan. Tens de voltar e focar-te na tua missão, sem distracções. Quem sabe, assim, se fores bem sucedida, os voltes a ver.

– Mas se anular tudo…

– É melhor assim. Foste tocada pelo seu amor e eles pelo teu. Ainda que se esqueçam. É uma marca que vai ficar, e essa é a tua única hipótese. Vamos Linan. Tens de recomeçar e encontrar um homem chamado Jorge Montani, no Brasil, antes que seja tarde.

– De que lado estás, afinal?

– Vais saber, quando tudo terminar.

Respiro fundo, enxugo os olhos molhados.

– Ok. Mas antes de partirmos, ajuda-me a encontrar um… como eles chamam? Um gravador! Ajuda-me, Vallen, preciso de um gravador!

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GIF: TVD

Desabafo de uma qawwi

#35| De volta ao começo: o nosso último abraço

Por Will

É aniversário da minha mulher. Celebro-o como se fosse meu também. Afinal de contas, sinto-me renascido. Aprendi a conviver com os meus medos e esta noite deixei-os todos bem enterrados, no sótão da alma. Um pouco de felicidade não vai fazer-me esquecer as responsabilidades que me esperam. Trampa, destino, eu sei lá.

– O que é se passa, Will? Estás diferente… – confidencia Linan, enquanto dançávamos à média luz das velas espalhadas pela sala.

– Amo-te, Linan. Não posso imaginar a minha vida sem ti. E é só.

No dia seguinte, quando ela começou a passar mal, não me atrevi a mexer no carro. Liguei antes para um táxi. Tinha tudo planeado. Ou quase tudo.

– Respira, meu amor, respira…

Durante a trajectória, senti o meu rosto e o corpo, quentes. Haveria alguma esperança para nós? Se sim, ela parecia soltar-se pela janela, deixando-me num frio abandono. Tive medo. Mas não podia esconder-me. Era quase impossível disfarçar as lágrimas que subiam pelos olhos. Agarrei-me a ela. O futuro do qual Vallen tanto alertou-me, vinha a galope. Só havia uma forma de alterá-lo. Agora compreendi. Venceria a promessa, sim, mas para isso…

O farol do camião deu-nos um banho de luz, e joguei-me por cima da mulher que amo, amparando-a com o meu corpo. Merecíamos um último abraço.

Resenhas

#34 | De volta ao começo: partículas de tamarino

Por Will

Faço esforço para levantar o rosto, apenas por um instante, para que o ar possa penetrar, já que tenho os pulmões carregados de chumbo. A claridade da lua, num céu tão veludo como o desta noite, pouco me diz. Trago comigo este chumbo que galga devagar para cima, como areia movediça. Trava-me pelos joelhos e derruba-me por terra.

– Por favor, alguém ajude! Ambulância!

A mulher da minha vida, com um bebé de apenas três meses no ventre, continua estirada.

– Desculpa irmão, ela foi-se – ouço alguém dizer.

O peso agora sobe até os meus olhos e explode em átomos que cristalizam-se em violentas lágrimas. Levanto um pé, não consigo andar.

– Não – deve ser um pesadelo, penso comigo trémulo – ela não pode estar morta…

Procuro outra resposta, em outro lugar, mas a verdade é que não há resposta diferente.

Engulo o choro. Sufoco o grito. Sinto o meu rosto paralisado.

Não tenho a certeza de o ter visto chegar. Também não sei explicar como foi que, de repente, a pequena multidão se dissipou, deixando-me a sós, com ele.

– Lamento, Will – a sua voz carrega a seriedade da noite e sem nem aperceber-me, coloco-me em posição de combate.

– O que você fez?

– O que eu fiz, não, o que eu vou fazer!

A rigidez do meu corpo aumenta, mas ele ergue a mão, como quem demanda ordem.

– Linan ainda é importante para a missão, Will. Se realmente a amas, vais ajudar-me a trazê-la de volta. Preciso dela viva!

Vallen. O único qawwi que conheço, além de Linan. Um qawwi que desprezo, e que entretanto, quero abraçar. Graças a ele perdi Linan uma vez. Foi ele quem a transformou, num acto de mera vingança, em humana. Mas quem de nós dois estará mais perto de realizar o milagre?

A necessidade desafia-me por inteiro, rasga-me o peito em dois e obriga-me a implorar:

– Faz o que for preciso, o que quiseres. Ela tem que voltar a viver.

Vallen sacode o seu casaco, encurta a distância. Algo doirado relampeja na sua mão.

– Estende-me o braço, Will.

Obedeço sem pestanejar.

O qawwi passa um pó pela minha pela, que acende como ouro, por alguns segundos, antes de voltar à normalidade.

– São partículas de lua verde de tamarino – explica sucinto – Isto vai levar-te de volta ao passado, algum momento antes do acidente. Tens de manter Linan viva, é só isso que te peço. Se falhares, regressarás até mim, até este momento.

Movo a minha mão, mas Vallen trava-me com um gesto ameaçador.

– Não terás muito tempo. Agora vai. Pensa em algum momento antes do acidente… esfrega o braço e…

Caio.

Pelo menos é a sensação que tenho. E continuo a cair.

Dou por mim em casa. No jardim. Lembro-me deste dia. Andava exausto, rabugento. Se tivesse sabido que teríamos um acidente, não teria perdido tempo a ser um idiota. Procuro-a por toda a casa, mas ela não está. Ligo-lhe, mas não atende. Recordo-me de que foi à consulta. Depois de tanto pensar, só me ocorre uma coisa: deixar um recado por escrito. Antes que o tempo acabe. Sento-me no sofá, pego numa caneta e começo a escrever.

De novo caio. E continuo a cair.

Lá está o sujeito. A cidade deserta. A minha vida sem cor.

– O que houve?

– Se estás aqui, significa que falhaste. Linan continua morta. Não temos muitas chances, rapaz. Vá… volte!

De novo estou em queda escura.

Agora ouço uma música. O tinido de taças. Estou ao pé da porta, sentindo um paladar de chocolate. Bolo que Érica e eu fizemos, para o aniversário da mãe. O que é isto, na minha mão? Julgo que acabo de recolher o gel desifenctante do carro, depois de saber dos perigos que causa estar exposto ao sol.

A dúvida atravessa o meu peito. E se isto for uma armadilha? Um desengano? E se estiverem a pregar uma partida com o meu cérebro? De qualquer forma, não podia permitir o acidente. Que entrássemos no maldito carro, e…

Vasculho um auxílio na cozinha, marcho rapidamente para a garagem e começo a furar um pneu, até que ouço a voz da minha filha.

– Pai! O que estás a fazer?

Tenho a boca e garganta secas.

– Chama a mãe, filha, chama a mãe… – urjo seguindo-a pela cozinha. Preciso contar à Linan, ela saberá o que fazer.

E de novo me abraça a escuridão.

– Não, não pode ser! – balbucio ao dar de caras com os olhos frívolos de Vallen

– Escuta bem, rapaz: talvez haja apenas uma chance. Uma! Use melhor o tempo. Desta vez vou dar-te a flor de dijon, para que tenhas mais tempo e preserves a memória até ao fim. Vai haver modificações no teu corpo, mas é por uma boa causa. É importante que te recordes.

– Vou recordar-me, Vallen.

– Vá, salva a Linan.

Levanto-me da cama, com o coração descompassado. A conversa com Vallen baila na minha cabeça, tenho o peito molhado, os dentes apertados.

Como um raio de luz, as mãos suaves dela percorrem-me para acalmar-me.

– Tiveste um pesadelo?

Quero dizer-lhe. Mas travo-me. Temo que o meu pensamento, por si só, possa levar-me de volta a Vallen. Tudo o que quero é ficar com ela. E não sei como impedir o futuro.

– Abraça-me, Linan – tento buscar conforto no seu corpo, sem pretensão de afastar-me. Agarro-me com tanta força, que venço. Permaneço ao lado dela. Sinto as partículas do tempo abandonarem-me, esgotando-se, autorizando-me a continuar. E permaneço.

Desabafo de uma qawwi

#33 | De volta ao começo: vamos abrandar

Woman meditating

Imagem: Zeenedout

Vamos humano, desacelere o passo. Não é imperativo manter-se em pé, quando as pernas querem fraquejar. De outra forma, por quê haveria tanto medo? Há muitas horas no dia, para organizar a aula online das crianças, tratar as tarefas domésticas, partilhar a foto do pão caseiro no Instagram, e executar aqueles vinte burpees de modo a manter o físico.

Sim… há muito por fazer. E o muito será feito. Mas às vezes é importante não fazer nada. Sente-se aqui comigo, diante das estrelas. Podemos ser os dois, perfeitamente incapazes, diante destas águas? Não, não há nada de errado nisso. Em deixar-se apenas flutuar. Respirar, sem tencionar nada além. Meditar, sem pretensões de atingir o nirvana. Há que deixar-se ser atropelado por esta frente de emoções, sem protestar. Apenas sobrevivendo, tão simplesmente, sobrevivendo.

Afinal de contas, nenhum humano quer morrer, não é verdade? Mas de nada vale lavar tantas vezes as mãos, se não lavar e tirar os vírus da alma (e acreditem, haverá um dia em que as almas vão durar). Que se evaporem todos os egoísmos e exclusões, e se conjuguem todos os verbos e sinónimos do bem-querer.

– Mãe…! Oh, mãe…! Depois da morte, para onde vamos? Fazemos mesmo a transição para a tua casa, reino Stefanotis?

Pronto. Eis um pensamento que não me apetece ruminar esta noite. Will, todo sorumbático, lança-nos um olhar curioso e ajeita a régua sobre a planta, observando-me lidar com os questionamentos da filha.

– Não vais morrer, meu anjo, não tens de pensar nisso.

Érica franze os lábios. A frustração prevalece no seu terno olhar.

– Então até quando ficaremos fechados aqui dentro? Tenho saudades da escola, dos meus amigos.

Pobre Érica. Humanos não são humanos, sem outros humanos.

Não acreditem muito nas promessas de que o vosso planeta vai mudar. Já vos conheço tempo o suficiente para saber isso. Todavia, algumas coisas serão diferentes. O conceito de fronteiras resistirá, embora vocês passem a perceber que na verdade, elas não existem. Assistirei a minha filha ir ao cinema com os amigos, pelas plataformas da internet. E quando tudo isto passar, os seres humanos terão descoberto outras formas de amar. Mais do que hoje são capazes. E para que perpetue na consciência esta dura marca, será instituído um feriado, um dia por ano, para as pessoas ficarem em casa, reconectadas com o Universo.

– Não é só por ti que tens que ficar em casa, meu amor. É pelos teus amigos também, de quem tanto gostas. E olha que nem todos os seres humanos têm essa possibilidade. Há pessoas que tem que ir à rua, para cuidar das outras. Há quem tem que ir à rua, para poder sobreviver. Temos que ser responsáveis, pensar nessas pessoas, pensar em ajudarmo-nos e cuidarmo-nos, sempre. Vai lá ao WhatsApp, liga aos teus amigos, diz-lhes que tens saudades. Eles vão gostar de saber.

Os olhos dela cintilam, enquanto mete os auriculares aos ouvidos e agarra-se ao telemóvel.

– Ok, mamã.

Ah, minha pequena humana. Que nunca te esqueças, nunca desaprendas, a tocar as cordas destes grandes instrumentos musicais. A solidariedade e a amizade, universais em qualquer trilha da vida.

Will finalmente pousa as plantas e a régua, arrastando-se de seguida para o quarto. Está derrotado. Este ser humano não sabe abrandar. São muito afiadas as garras da angústia que cravaram a sua pele. As propinas da Érica, os deadlines da empresa, a dispensa vazia, os cuidados para não contaminar ninguém depois que volta da rua, a minha gravidez de risco, a falta de ciência sobre o assunto, o medo de perder a família. Will mergulhou, enfim, em profundo estado de ansiedade. O que eu devia ter percebido, porém, é que o seu ar abatido devia-se à outra coisa. O elemento que o atormentava era bem mais elevado do que a simples ansiedade. Era algo assustadoramente extraordinário, frio como a solidão. Apavorante, para dizer a verdade.

Lançamentos!, Livros, Opiniões

Literatura| Contos e crónicas para ler em casa Vol. II – Antologia | – Opinião

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Autores: Armindo Mathe, Baptista Américo, Énia Lipanga, Ganhanguane Masseve, Herminia Francisco, Izidro Dimande, Jaime Munguambe, Jessemusse Cacinda, Mauro Brito, Miguel Luís, Miller Matine, Nelson Lineu, Pretilério Matsinhe, Sadya Bulha, Sandra Tamele, Sara Jona, Tassiana Tomé e Teresa Taímo

Coordenação: Eduardo Quive & Mélio Tinga

Edição: Abril de 2020

Revista Literaturas

Baixe e leia o livro Aqui

Opinião

Esta antologia, que conta com a curadoria de Eduardo Quive & Mélio Tinga, é um projecto da Revista Literatas, idealizado para estimular aquela que é uma das principais aliadas nesta época de isolamento social: a leitura. O projecto decorre da publicação de um primeiro volume, bem recebido belos leitores, que em pouco tempo ultrapassou a faixa dos 1.000 downloads (encontre o primeiro volume Aqui).

Nós do diário de uma qawwi, tivemos a oportunidade de conferir os 18 contos e crónicas, de autores moçambicanos, neste segundo volume, todos eles singulares e provocativos, agregando no seu conjunto uma diversidade de temas e sentimentos. Passamos a explorar brevemente alguns deles, sem seguir necessariamente uma ordem cronológica:

Madala” (de Armindo Mate) é um texto leve, familiar, que irá relembrar as nossas vivências.

Ao longo da antologia encontramos ainda temas como a violência doméstica e relacionamentos abusivos, em “tu não vais sair de casa com essa roupa, minha mulher não pode vestir assim” (de Énia Lipanga); idas e vindas, perdas, e complexidades das relações afectivas em “o silêncio cintilante”, “a cábula” e “o que somos nós então”, de Hermínia Francisco, Isidro Dimande e Miller A. Matine, respectivamente.

Também encontramos reflexões sociais em contextos mais actuais, como por exemplo a crónica “um corpo crivado de balas” (de Jessemuce Cacinda) e “a revolução não será viralizada: assuntos domésticos e afectivos” (de Tassiana Tomé).

A sátira espelhada no rosto da nossa sociedade faz-se presente em alguns textos desta antologia como “o anão sobressalente” (uma brilhante proposta de Mauro brito), “há muitas lágrimas nos olhos de Sua Excelência” (de Miguel Luis) e o “bicho bicha” (de Nelson Lineu). Estes textos irão certamente trazer algum calor aos leitores, após as gargalhadas.

E que tal uma história de época, em “estilhaços, memórias de um combatente” (de Pretilério Matsinhe), uma descontraída reflexão sobre as consequências da nova tecnologia no quotidiano, em “Minuto 76” (de Sadya Bulha), ou ainda, uma incursão pela tradição oral, onde muitos irão identificar as suas próprias raízes, em “histórias com sabor a misericórdia: dar atenção aos antepassados” (de Sara Jona)?

A antologia traz ainda “fenestrada” (de Sandra Tamele), um conto de estilo bastante elegante na sua concepção, repleto de referências do mundo artístico; e “o meu “Surge et. ambula” em Chibuto” (de Teresa Taimo), um texto honesto, leve, que reflecte a realidade das redes sociais e que irá identificar muitos de nós. Este conto tornou-se um dos nossos favoritos, ao lado de outros acima mencionados.

A capa do livro e a diagramação são satisfatórias, embora visualmente a arte gráfica do primeiro volume pareça atrair mais a atenção do leitor. Nota-se pequenas gralhas na revisão de um ou outro texto, mas nada que atrapalhe a leitura prazerosa oferecida neste belíssimo projecto.

A nossa pontuação: 5 de 5 estrelas